A lição da primeira ministra da Nova Zelândia para Bolsonaro. Por Willy Delvalle

Atualizado em 18 de março de 2019 às 0:28
Jacinda Arndern fala sobre o massacre em Christchurch — Foto: AP/TVNZ

A primeira ministra neozelandesa Jacinda Ardern deu uma verdadeira lição do que é ser chefe de Estado após o maior atentado da história do país, que matou quase 50 pessoas e deixou dezenas de feridos em duas mesquitas muçulmanas. Lição que o presidente Jair Bolsonaro ainda não compreendeu sobre o posto que ocupa, e certamente não tem interesse de aprender.

Primeira-ministra mais jovem da Nova Zelândia – tomou posse aos 37 anos, hoje 38, formada em comunicação, ex-assessora de Tony Blair, ela classificou as concepções dos atiradores como “extremistas”.

Brenton Turrent, acusado de ser o atirador, evocou em um manifesto uma viagem à França em 2017, onde constatou a “islamização” do Ocidente “cristão”, a “destruição” deste último pelo primeiro, numa referência à diversidade étnica e religiosa do país. Ele elogia Donald Trump como símbolo da supremacia branca.

Ele justificou o ato como forma de combater a imigração. Jacinda Ardern, por sua vez, evocou as mesmas palavras do julgamento do nazista adolf eichmann em Jerusalém, no ano de 1961. “Visões extremistas que não têm espaço na Nova Zelândia e, na verdade, não tem lugar no mundo”.

Na condenação de eichmann, os juízes compreenderam que, como o crime que o nazista cometeu – a organização do holocausto – era um ataque à humanidade, então não haveria espaço para ele no mundo, sentença que justificou sua pena de morte. Hannah Arendt, que analisou o julgamento em “Eichmann em Jerusalém”, definiu o crime nazista como contra a humanidade, pelo fato de ser contrário à “diversidade humana”.

A evocação pela primeira-ministra das mesmas palavras do julgamento dos nazistas mostra de maneira implícita o paralelo entre a ideologia dos terroristas e o nazismo. Ideologia que vê o “globalismo” como uma ameaça ao “nacionalismo”, a mesma que a extrema direita utiliza contra o que chama de “marxismo cultural”. Mas diferente da extrema direita, a primeira-ministra foi ao encontro dos representantes do islamismo (religião praticada por 1% da população), vestida com um véu.

A eles, a líder do Partido Trabalhista neozelandês reafirmou o apoio do país inteiro: “Minha missão é garantir a segurança de vocês, sua liberdade de culto, sua liberdade de expressar sua cultura e sua religião. A Nova Zelândia é essa que vocês veem (apontando para a reunião com a comunidade islâmica). Nada do que aconteceu nos representa”. Bem diferente de Bolsonaro, que diante das vítimas de ameaças de morte, como o ex-deputado Jean Wyllys, comemora o exílio, quando seu papel enquanto chefe de Estado seria o que afirma Jacinda Ardern, garantir a proteção de todos.

O contraste segue. A primeira-ministra prometeu endurecer a legislação armamentista do país, onde circulam mais de 1,2 milhão de armas num país com menos de cinco milhões de habitantes. Mesma postura deveria ter Bolsonaro desde sempre, mas principalmente após o atentado de Suzano. Contudo, ao invés de combater o mal, insiste nele, seja por força de lobby ou de suas convicções.

A grande diferença entre Jacinda Ardern e Jair Bolsonaro é que a primeira compreende que o papel do Estado é assegurar a vida humana e sua diversidade, enquanto o segundo defende a morte e a eliminação do que lhe é diferente. Ardern vê cidadania nas minorias. Bolsonaro vê um inimigo a matar. A primeira-ministra neozelandesa defende a população de seu país do terrorismo. O presidente brasileiro pensa como o terrorista.