A lição de Kirk Douglas, o homem que ajudou a acabar com a lista negra em Hollywood. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 5 de fevereiro de 2020 às 23:26
Kirk Douglas em “Spartacus”

Kirk Douglas, o último da era de ouro de Hollywood, o galã do furo no queixo, morto hoje aos 103 anos, era também um campeão das boas causas e um exemplo de coragem e altivez.

Em 1960, ele acabou com a lista negra como produtor e estrela do épico “Spartacus”, dirigido por Stanley Kubrick, vencedor de um Oscar.

Douglas insistiu que o nome do roteirista Dalton Trumbo, seu amigo, aparecesse nos créditos.

Até então, o socialista Trumbo só podia assinar com pseudônimo por causa da caça às bruxas dos anos 40 e 50 que acabou com a carreira e a vida de diversos artistas.

Em 2015, quando foi lançada a cinebiografia “Trumbo”, Kirk deu um depoimento sobre aqueles dias.

Como de hábito em se tratando de grandes homens e grandes feitos, serve hoje para nós, mais do que nunca, e sempre:

“Como atores, é fácil interpretarmos o herói. Temos que lutar contra os bandidos e defender a justiça. Na vida real, as escolhas nem sempre são tão claras.

A lista negra de Hollywood, recriada poderosamente na tela em ‘Trumbo’, foi uma época que me lembro bem. As escolhas eram difíceis.

As consequências foram dolorosas e muito reais. Durante a existência da lista negra, tive amigos que se exilaram quando ninguém os contrataria; atores que cometeram suicídio em desespero.

Minha jovem co-estrela em ‘Detective Story’ (1951), Lee Grant, não conseguiu trabalhar por 12 anos depois que se recusou a testemunhar contra o marido perante o Comitê de Atividades Anti-Americanas da Câmara.

Fui ameaçado pelo fato de usar um escritor da lista negra em ‘Spartacus’ – meu amigo Dalton Trumbo. Isso me marcaria como um “amante dos comunistas” e encerraria minha carreira.

Há momentos em que é preciso defender princípios. Estou tão orgulhoso dos meus colegas atores que usam sua influência pública para se manifestar contra a injustiça.

Aos 98 anos, aprendi uma lição da história: ela se repete com muita frequência. Espero que ‘Trumbo’, um belo filme, lembre a todos nós que a lista negra foi uma época terrível em nosso país, mas que devemos aprender com ela para que nunca mais aconteça”.

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Kiko Nogueira
Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.