A manipulação do golpe na TV e o jornal da Ku Klux Klan para o cidadão de bem. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 17 de março de 2016 às 15:44
"Cidadão de Bem", o jornal da Ku Klux Klan
“Cidadão de Bem”, o jornal da Ku Klux Klan

 

A prática nazista – ou fascista – já está nas ruas.

O jovem casal agredido na Paulista não é um ato isolado.

A senhora que trabalha em casa como faxineira me conta que hoje, quando tomou ônibus do Jardim Ângela até minha casa, um grupo de jovens discutia sobre os grampos vazados por Mouro. Eram todos, segundo ela, “do contra” – contra o governo.

“Eles me olharam feio e perguntaram: ‘E você, é contra ou a favor?’ Eu sou quase uma analfabeta, não sei nada não’”. Disse ela, baiana do sul  do Estado, 30 e poucos anos, já se afastando. “Fui para o final do ônibus. Imagina se eu digo alguma coisa e eles não gostam, eu apanho.”

Desnecessário dizer que o caldo entornou quando o juiz Moro divulgou os grampos de Lula, com conversas pinçadas fora de contexto, numa atitude difícil de classificar, mas que só faz sentido se este for o objetivo de alguém ou de algum grupo: tumultuar e, desse ambiente, tirar proveito.

Mas nada disso teria chance de prosperar não fosse a cobertura da TV Globo.

No Jornal da Globo desta madrugada, por exemplo, Willian Waak informou que o helicóptero da emissora “sobrevoava” a Paulista e mostrou imagens do alto. A palavra sobrevoo tem um sentido de voo em movimento. Mas o que se via não era a ação do helicóptero nesse sentido, mas a aeronave parada no alto, com a imagem fechada no grupo de manifestantes em frente à Fiesp.

Se houvesse sobrevoo, com movimento do helicóptero ou da câmera, já se veria que o grupo não era tão grande.

As cenas me lembraram o que acontecia na Globo quando o helicóptero decolava para entrada ao vivo num dos jornais locais.

Se não havia congestionamento a mostrar, o editor sugeria a chegada a São Paulo pela Rodovia Dutra, a partir da Marginal Tietê. Ali sempre havia problema, e o repórter poderia dizer: “trânsito muito complicado na chegada a São Paulo pela Rodovia Dutra”.

Era manipulação.

Na Globonews, um grupo de manifestantes que protestava na avenida onde fica o apartamento de Lula era chamado pelo apresentador de “população”. Segundo ele, era a “população” que protestava em frente à casa do ex-presidente.

População?

Quem não conhece como um telejornal é feito, com imagens e textos que buscam emocionar, nunca esclarecer, é facilmente iludido. Toma a parte pelo todo e chega a conclusões erradas.

O que se vê agora é que esse tipo de noticiário que busca alcançar o lado emocional dos telespectadores tem um papel decisivo no que começa a acontecer nas ruas.

O jornal impresso também faz a sua parte, embora com um alcance muito menor. O “Estadão” tem publicado editoriais, com chamada na primeira página, em que convoca os “cidadãos de bem” para marcharem contra o PT. Não sei se o editorialista sabe, mas na década, nos Estados Unidos, o jornal da Klu Klux Klan se chamava Good Citizen.

No Brasil de 2016, as pessoas ficam com medo de dizer em público o que pensam. Foi o que aconteceu com a diarista que foi hoje à minha casa. Ele se calou porque não sabia qual era a resposta “certa” que deveria dar ao grupo exaltado no ônibus. Se errasse na opinião, poderia apanhar ou ser xingada.

Começou assim na Alemanha, e alguns achavam que era possível conciliar, entender. Enfim, por covardia ou conforto, preferiram ignorar o mal que crescia.

Deu no que deu.