A matança será sempre nas periferias. Por Moisés Mendes

Atualizado em 28 de outubro de 2025 às 20:35
Policiais armados em comunidade durante megaoperação no Rio. Foto: Jose Lucena/The News 2/Estadão Conteúdo

 

Uma operação militar organizada para caçar bandidos nos subúrbios e que resulta na morte de mais 60 pessoas parece um sucesso. Mas é muito mais do que um fracasso.

É uma ação criminosa do Estado, para que a polícia faça o serviço sujo da execução sumária a mando da política. É mais do que um fracasso também e principalmente porque pelo menos seis policiais morreram.

Foi o que aconteceu no Rio a mando do governador bolsonarista Claudio Castro, sob o pretexto de que é preciso prender e, se preciso, matar integrantes do Comando Vermelho.

É o que acontecerá em muitas cidades em 2026, no ano da eleição, para que governadores da direita e da extrema direita sejam vistos como caçadores de bandidos.

Se o povo pede o combate ao crime organizado e mais segurança, para rimar os governos responderão com matanças. Mesmo que não seja legal, nem racional e tampouco razoável, porque operações policiais não podem transformar as periferias em campo de guerra.

A Folha de S. Paulo informou que “do total de vítimas, ao menos 50 são apontadas pela polícia como suspeitas de serem criminosas”. E acrescentou que “seis pessoas foram baleadas, sendo três inocentes, incluindo uma mulher que estava dentro de uma academia”.

Pelo menos 50 mortos são criminosos, definidos como tal pela polícia. Seis pessoas foram baleadas e, dessas seis pessoas, três são inocentes. É um balanço precário e torto.

A Folha de S. Paulo, como se fizesse assessoria para a polícia, informa quem é bandido e quem, entre os feridos, é inocente. E legitima, pela voz do jornalismo, uma espécie de julgamento público de todos.

Se o Ministério Público, as organizações da sociedade e o Judiciário deixarem, teremos 2026 como o ano das matanças. Porque essa é a leitura que os governos fazem do maior medo dos brasileiros, que não temem mais a inflação e o desemprego.

Temem mesmo toda forma de violência. E a violência, segundo Claudio Castro e outros governantes, exige mais violência, de preferência a que localiza o bandido, julga na hora e o executa sumariamente. Desde que ele esteja nas periferias.

O governo do Rio empurrou centenas de militares para confrontos com bandidos, sabendo que os bandidos, os policiais e os inocentes iriam morrer. Porque todos os outros métodos e protocolos falharam ou nem foram considerados.

O confronto com a matança de bandidos, mesmo que mate também policiais e inocentes, é o que Castro e o fascismo desejam como situação ideal. Para que sejam vistos como caçadores implacáveis de criminosos. Os inocentes estavam no lugar errado.

Foi o que Tarcísio de Freitas já fez na Baixada Santista e Castro repete agora nos complexos do Alemão e da Penha. Sempre com o pretexto de que irão prender e fazer e apreensões. Mas, diante do primeiro tiro do outro lado, revidam, atiram e matam.

Se a tática do ataque em massa, que resultou em mais de 60 mortes, fosse usada em outras regiões da cidade, o Rio teria não dezenas, como já tem, mas centenas de assassinatos por dia. Todos em nome da imposição das forças de segurança a qualquer custo.

Rua do Rio de Janeiro durante operação
Rua do Rio de Janeiro durante operação – Fernando Frazão/Agência Brasil

No Rio, em São Paulo, no Recife, em Porto Alegre, em qualquer cidade grande ou média em que a polícia usar a alternativa do confronto aberto, os resultados serão os mesmos. Matanças e mais matanças.

O jornal O Globo estampou na capa a foto do caos numa rua do Complexo do Alemão e titulou, com letras maiúsculas, o que estava acontecendo: “GUERRA NO RIO”.

Os jornais, a maioria preocupada em defender o ponto de vista do governo, resumem o que aconteceu como resultado de uma guerra. Não foi uma ação policial desastrada, que resultou na morte dos próprios policiais, mas uma guerra.

E assim será até a eleição. Os governos e os jornalões tentando mostrar que vale tudo, porque estamos em guerra. Mas só contra os bandidos das periferias.

Os bandidos aliados da Faria Lima, que usam as fintechs para lavar dinheiro, esses nunca serão alcançados dessa forma. O PCC, que se juntou ao mundo do mercado financeiro de São Paulo para a lavagem da dinheirama das drogas, está livre de ações espetaculares.

Porque ali tudo tem refinamento, é mais complexo, branco, quase invisível. O contingente do crime organizado que lava dinheiro sujo com os homens do dinheiro limpinho da elite financeira está livre de matanças.

Essa é a sabedoria da direita dos julgamentos sumários. Saber escolher quem deve ser morto, desde que o alvo esteja em áreas pobres nos morros e periferias. Podem ser chefões, líderes e grandes bandidos, mas estão em regiões que podem ser bombardeadas.

A Faria Lima, essa talvez não tenha nem buscas e apreensões, porque está em outro departamento. Os chefões de todas as Farias Limas do Brasil, muitos deles de gravata, estarão sempre livres das polícias de Claudio Castro e Tarcísio de Freitas.

Originalmente publicado em Extra Classe

Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim) - https://www.blogdomoisesmendes.com.br/