A medicina não é mais um sacerdócio

Atualizado em 20 de maio de 2013 às 17:23

A proposta de trazer médicos de fora do Brasil para áreas carentes é sinal de que a época de Hipócrates acabou.

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Após o rebuliço que a proposta governamental de trazer médicos cubanos causou, o ministro da saúde Alexandre Padilha anuncia que será apresentada em Genebra proposta de parceria entre Brasil e os países da Península Ibérica, Portugal e Espanha, para a importação de médicos, sem necessidade de revalidação do diploma.

Estes terão uma área restrita de trabalho – áreas carentes de médicos e, muitas vezes, infraestrutura – e um período restrito – 2 a 3 anos – após os quais necessitarão revalidar o diploma. Se o Conselho Federal de Medicina quiser manter um mínimo de coerência, entretanto, tem de exigir a revalidação do diploma dos médicos europeus da mesma forma. Afinal, no total geral, apenas 8,6% passam no exame do Revalida – e os europeus estão no meio do bolo.

Todas estas decisões, entretanto, esbarram no fundamental: ninguém se questionou por que os médicos não desejam ir para as áreas carentes. Por que há 3,46 médicos por mil habitantes no distrito federal, e apenas 0,58 no Macapá, sendo a média brasileira 1,8? Por falta de universidades certamente não é, pois o Brasil ultrapassa em muito o índice de faculdades de medicina/habitante de diversos outros países com maior IDH.

A razão é elementar: a medicina não é mais um sacerdócio. A época de Hipócrates acabou. A medicina não é mais exercida somente por sacerdotes, padres, xamãs, curandeiros; é exercida por profissionais, que recebem um pagamento, possuem chefes a quem responder, exigências, responsabilidades e, acima de tudo estão sujeitos a processos por mal prática, que crescem de forma exorbitante nos EUA e estão seguindo o mesmo caminho aqui no Brasil.

Que médico iria querer trabalhar em um lugar onde falta energia elétrica? Onde não há material para esterilizar instrumentos cirúrgicos? Onde não há suporte sequer para atender um paciente sofrendo de infarto? Quando o paciente morrer em suas mãos por falta de materiais para tratamento, ele pode dizer para a família que tentou todo o possível, mas, na hora em que
a família for procurar seus direitos, irá processar todos – hospital e equipe de saúde associada.

O código de ética médica dita que o médico deve não só se recusar a trabalhar em locais onde não há recursos, como denunciar a situação aos órgãos responsáveis. E este é apenas um dos motivos. Há outros: por não serem mais sacerdotes, os médicos possuem família. No caso, cônjuges que trabalham, que possuem uma vida profissional; filhos que necessitam de educação de qualidade; uma vida social. Se são como qualquer profissional liberal, por que não poderiam escolher lugares melhores para viver e exercer sua profissão?

A decisão de mudar de uma capital para uma cidade do interior não depende exclusivamente da boa vontade do médico e nem de um salário vultoso; há diversos fatores a serem considerados. E isto leva ao questionamento: há 20 mil médicos espanhóis desempregados neste momento. Quando vierem ao Brasil (se vierem todos, pois a decisão não é exclusiva de um membro da família), com a promessa de emprego e altos salários (que muitas vezes não são pagos) e depararem com a situação deplorável do aparato de saúde, o que farão? Continuarão lá, irão para outras cidades, onde exercerão a medicina de forma ilegal, farão a revalidação, para poderem trabalhar em qualquer lugar, ou simplesmente retornarão para seus países?