A mediocridade virou regra na extrema-direita brasileira. Por Kakay

"Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira".  –Manoel de Barros

Atualizado em 12 de julho de 2025 às 8:44
Jair Bolsonaro e Donald Trump. Foto: reprodução

 

Quando meu pai “quebrou”, eu devia ter perto de 9 anos. Saí de uma casa grande e bem situada para uma casa mínima e mais nos arredores da cidade. A casa toda cabia na sala da outra. Minha mãe teve uma ideia genial: disse aos filhos que optou por um lugar bem menor para todos ficarmos mais próximos. Brilhante tirada. Nós, que já éramos muito unidos, ficamos absolutamente grudados. Era uma delícia. Só descobri que tínhamos “quebrado” anos depois. E não fez diferença.

É preocupante acompanhar o que está acontecendo no mundo. Quando eu era menino lá em Patos de Minas (MG), era feliz e sabia. As pessoas que me inspiravam eram Fernando Pessoa, Jorge Amado, Portinari, Picasso, Tostão, Dirceu Lopes, essa turma. Como não existia televisão, a gente ficava o dia todo lendo, contando histórias e inventando casos. Mesmo quando a televisão chegou, não existia a hipótese de ter em casa 2 aparelhos. Televisão no quarto era algo impensável. Era na sala e todo mundo vivia amontoado.

O sonho da minha geração era fazer universidade. Filho de um fazendeiro que praticamente não estudou e de uma professora primária, os 5 filhos seguiram o desejo dos pais: estudaram em universidade pública. Minha mãe rezava para eu ser funcionário do Banco do Brasil, mas a veia de advogado falou mais alto. Nunca fiz concurso. Nunca tive emprego. Hoje, vejo que a meninada não valoriza tanto a universidade. O empreendedorismo ocupa um espaço privilegiado.

As boas leituras foram, em parte, substituídas por textos rápidos nos computadores, na internet. A pesquisa, que ajuda a formar a cultura do advogado, vai sendo trocada pelo uso da IA. Em todas as áreas, o mundo vai se diminuindo a uma mesmice, vai ficando raso.

Nesta semana, a editora Kotter, de Curitiba (PR), anunciou o cancelamento do Prêmio Kotter 2025 depois de constatar que as obras eram criadas por inteligência artificial. E, pasmem, uma vereadora bolsonarista de Santa Catarina propôs excluir um clássico de Jorge Amado por “romantizar o estupro” e “promover a apologia à criminalidade”.

Jair Bolsonaro e Romeu Zema, governador de MG. Foto: Reprodução

Esse é o pano de fundo do enorme fosso ao qual os brasileiros estão sendo submetidos. A mediocridade passou a ser a regra da extrema-direita. Há um enorme descompromisso com uma sociedade mais justa e igualitária. O Estado de Minas, com uma sólida tradição cultural e princípios literários e poéticos, tem hoje como governador um gestor do nível de um Bolsonaro. O fundo do poço do obscurantismo.

Essas inquietações não estão isoladas e soltas. Há um nítido movimento de desprezo por qualquer análise crítica. É óbvio que as divergências políticas sempre serão saudáveis. E, certamente, contribuem para o amadurecimento de uma sociedade mais justa. Ocorre que o momento expõe atitudes dramáticas.

Não há nada de preocupante com a divisão da direita e da esquerda. Essa nunca foi a questão. O que assusta e causa indignação é um bando de acéfalos, depois de pedir, covardemente, a invasão do Brasil pelos norte-americanos, agora, de maneira criminosa e subserviente, passar a defender Trump quando ele resolve, prepotentemente, pregar a inocência de Bolsonaro. Inclusive com ameaças. Talvez preparando o terreno para um asilo político.

Na realidade, mais do que ameaças. O presidente Trump partiu para a retaliação. A ousadia de taxar em 50% os produtos importados do Brasil demonstra o solene desprezo pelos brasileiros. E com o apoio entusiasmado e cego de Bolsonaro e seus asseclas. Contra os interesses do Brasil. Reagiu bem o presidente Lula ao defender a soberania nacional.

O que se espera de cada 1 de nós é um pouco de dignidade. É preciso reagir para que o fascismo tenha seu lugar reservado no lixo da história. Como nos ensinou Leão de Formosa, no poema “Sonetilha Existencial”: “Sabe que a vida é viscosa. Sabe que entre a náusea e a rosa foi que a ostra fez a pérola”.

Publicado originalmente no Poder 360

Kakay
Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido pela alcunha de Kakay, é um dos maiores advogados criminalistas brasileiros. É também poeta e escritor