A morte absurda de Euclides da Cunha pelas mãos do amante de sua mulher

Atualizado em 22 de agosto de 2013 às 15:19

Hoje, há 104 anos, míope e desajeitado, ele foi morto ao tirar satisfações de um militar que dominava a arte de atirar.

Euclides

A Saraiva da ponte da Cidade Jardim tem um atrativo. Um funcionário antigo entende de livros. Outro dia, numa passagem pelo Brasil, fui lá para comprar A Guerra do Fim do Mundo, de Vargas Llosa, para minha caçula, Camila.

Um dia ela vai ler Os Sertões, a obra prima de Euclides da Cunha que é a base do grande romance histórico de Vargas Llosa.

O funcionário e eu falamos de Euclides. Soube por ele que o escritor húngaro Sándor Márai também se inspirou nos Sertões para escrever um romance passado em Canudos, na rebelião de Antônio Conselheiro. Chama-se O Veredito, e pega especificamente a última noite do conflito. Infelizmente não havia um exemplar ali. Mas eis um presente que vou me dar.

Fico pensando em Euclides. Por que grandes escritores estrangeiros reconheceram uma grandeza literária que parece ter passado ao largo dos escritores brasileiros?

Os Sertões, como os Ensaios de Montaigne ou Em Busca do Tempo Perdido de Proust, é um livro que pode e talvez deva ser lido em fragmentos. A descrição geográfica da região em que se aglomeraram os seguidores de Conselheiro é dura como a própria terra. Ou você não se incomoda em ler sem entender palavras ou é obrigado a ter um dicionário do lado.

Mas a narrativa da guerra é uma das coisas mais belas jamais escritas em português. A descrição de Antônio Conselheiro é épica. “(…) E surgia na Bahia o anacoreta sombrio, cabelos crescidos até aos ombros, barba inculta e longa; face escaveirada; olhar fulgurante; monstruoso, dentro de um hábito azul de brim americano; abordoado ao clássico bastão em que se apoia o passo tardo dos peregrinos…”

Conselheiro era um homem atormentado que perdeu a mulher e o juízo e acabou por pregar a volta de Dom Sebastião numa comunidade sertaneja em que se aglomeravam, paupérrimas, 25 000 pessoas.

Fazia poucos anos que a República fora proclamada, e Canudos foi entendida como uma ameaça monarquista – e massacrada. “(…) Aquela campanha lembra um refluxo para o passado. E foi, na significação integral da palavra, um crime. Denunciemo-lo.” Assim escreveu Euclides. Ele foi a Canudos como correspondente do Estado de S. Paulo.

À tragédia de Conselheiro se seguiria, poucos anos depois, a do próprio Euclides.

Traído pela mulher com um militar, foi tirar satisfações com uma arma. Era míope, era um intelectual acostumado a usar a caneta e não pistolas. Foi morto.

Seu filho, Euclidinho, quis vingá-lo, anos mais tarde. Também foi morto pelo homem que matara seu pai.

Pushkin, o inventor da moderna literatura russa, foi morto em circunstâncias parecidas. Sua mulher, Natasha, considerada a maior beldade de São Petrogrado, o traiu com um canalha de formação militar. Pushkin desafiou-o para um duelo e morreu ali.

Intelectuais não combinam com armas, e é uma pena que nem sempre tenham entendido isso.