A morte de Paulo Gustavo tem de ser, sim, politizada, bem como a dos milhares de brasileiros vítimas de genocídio

Atualizado em 5 de maio de 2021 às 17:56
Paulo Gustavo

Os bolsonaristas estão denunciando a “politização” da morte de Paulo Gustavo.

A morte dele é política, sim — assim como a dos mais de 410 mil mortos na pandemia graças à gestão desastrosa do presidente da República.

Não são mortes anônimas em tempos de paz.

São vítimas de guerra e cada óbito é uma declaração de princípios contra o assassino no Planalto.

É preciso deixar claro que eles não morreram por acaso. Paulo Gustavo e todos os demais são símbolos e seu falecimento é um grito.

A filósofa americana Judith Butler atribui ao luto o “poder da resistência disruptiva”.

É isso: resistência. Ninguém morre em vão. Estão todos vivos infernizando o algoz (como Marielle).

Vou lembrar aqui as palavras de Marco Antônio no funeral de Júlio César na tragédia de Shakespeare — talvez o discurso fúnebre mais espetacular da história.

Marco Antônio exalta o amigo César enquanto expõe seu carrasco Brutus, cabeça da conspiração no Senado, de maneira engenhosa.

É o que precisamos fazer em nome de cada um de nós que tomba:

Amigos, romanos, cidadãos dêm-me seus ouvidos.

Vim para enterrar Cesar, não para louvá-lo. O bem que se faz é enterrado com os nossos ossos; que seja assim com Cesar. O nobre Brutus disse a vocês que Cesar era ambicioso. E se é verdade era uma falta muito grave, e Cesar pagou por ela com a vida, aqui, pelas mãos de Brutus e dos outros. Pois Brutus é um homem honrado, e assim são todos eles, todos homens honrados.

Venho para falar no funeral de Cesar. Ele era meu amigo, fiel e justo comigo. Mas Brutus diz que ele era ambicioso. E Brutus é um homem honrado.

Ele trouxe muitos prisioneiros para Roma que, para serem libertados, encheram os cofres de Roma. Isto parecia uma atitude ambiciosa de Cesar? Quando os pobres sofriam Cesar chorava. Ora a ambição torna as pessoas duras e sem compaixão. Entretanto, Brutus diz que Cesar era ambicioso. E Brutus é um homem honrado.

Vocês todos viram que na festa do Lupercal eu, por três vezes, ofereci-lhe uma coroa real, a qual ele por três vezes recusou. Isto era ambição? Mas Brutus diz que ele era ambicioso, e Brutus, todos sabemos, é um homem honrado.

Eu não falo aqui para discordar do que Brutus falou. Mas eu tenho que falar daquilo que eu sei. Vocês todos já o amaram e tinham razões para amá-lo. Qual a razão que os impede agora de homenageá-lo na morte?

Qual razão que nos impede de homenagear nossos irmãos na morte de covid-19?

Nenhuma.