Para começo de conversa: eu tive uma banda com o Ciro Pessoa. Uma não, duas: CPSP e Ventilador.
Este relato, portanto, pode ser acusado de tudo, menos de imparcial.
Ciro Pessoa, morto hoje aos 62 anos, foi fundador dos Titãs — e esquecido por eles.
Lembraram de Ciro hoje, que ele morreu de covid-19 enquanto se tratava de um câncer.
Criou em 1981 os Titãs do Iê-Iê, primeiro nome do grupo, com os amigos do Equipe: Arnaldo Antunes, Paulo Miklos, Nando Reis, Marcelo Fromer, Branco Mello, Tony Bellotto e Sérgio Britto.
Saiu dois anos mais tarde, antes do disco de estreia, por divergências em torno do baterista.
Não gostava de André Jung. Ficou naquela situação de “ou ele ou eu”. Os amigos optaram por André. (Ironicamente, André seria demitido logo na sequencia e trocado por Charles Gavin, à época no Ira.)
Ciro é autor dos primeiros sucessos: ”Sonífera Ilha”, “Toda Cor”, “Homem Primata” e “Babi Índio”.
“Sonífera” foi a música mais tocada nas rádios brasileiras em 1984 e o grande clássico dos caras.
Ele se queixava de ter tido que dividir a autoria com um “monte de gente” que não fez nada além de sugerir uma palavra da letra. São cinco nomes.
No documentário dos Titãs, “A Vida Parece Uma Festa”, Ciro é citado durante 10 segundos.
Belotto aparece creditando a Ciro a ideia de formar o conjunto. “Na hora em que começou a dar certo ele saiu fora”, diz.
É uma simplificação que os Titãs nunca quiseram explicar direito. Não foi uma separação amigável.
Ciro seguiu seu caminho, inventou outros projetos, era um poço de criatividade, absolutamente errático — mas o fato é que ficou para trás com relação aos velhos colegas, que fizeram uma carreira vitoriosa.
Em 38 anos, nunca foi chamado para shows comemorativos, eventos, nada. Manteve uma amizade com Branco, com quem chegou a gravar um disco infantil.
As redes sociais dos Titãs agora trazem uma elegia: “Foi dele a idéia de reunir os amigos compositores no começo dos anos 80 pra fazermos uma banda de rock e assim formamos os Titãs”.
O verbete dos Titãs, mais antigo, tem duas linhas: “A formação inicial contava com um número de integrantes bastante incomum. Ciro Pessoa rapidamente deixou o grupo, antes mesmo do lançamento do primeiro álbum da banda, em 1984.”
Ciro não era uma figura fácil. Muito pelo contrário.
Eu não falava com ele há oito anos. Nos últimos tempos, tinha dado uma guinada à direita, creio que tentando emular Lobão. Não sei se virou bolsonarista.
Mas não é de simpatia e caráter que falo. Me refiro a creditar as pessoas pelo que fizeram. Na hora da morte, é um pouco tarde demais.
Ciro estava gravando um documentário.
O teaser está no YouTube (abaixo). Ele aparece declamando a letra de “Sonífera Ilha” numa praia, com uma aparência cansada.
Parece já doente. Talvez tenha pensado em acertar as contas sobre sua história nos Titãs e reclamar, digamos, seu legado.
Não deu tempo.