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A morte e a morte de Sêneca

A Morte de Sêneca, de Rubens

De Paris

Uma visita orientada ao Louvre deve incluir A Morte de Sêneca, de Rubens. Pelo valor artístico do quadro e, mais ainda, por Sêneca em si.

É um escritor vital, um dos mestres supremos do latim, um estilista soberbo que uniu à beleza da prosa um conteúdo filosófico ao mesmo tempo profundo e simples que ajuda o leitor a enfrentar as adversidades da vida.

De Sêneca recomendo tudo, mas mais ainda o ensaio “Sobre a Tranquilidade da Alma”, do qual há uma tradução primorosa na série Os Pensadores, da Abril Cultural. Nele, Sêneca exorta a que não nos movimentemos à toa, numa “agitação estéril” que apenas nos esgota sem nos levar a lugar nenhum. Compara as pessoas que ciscam para lá e para cá, mendigando ocupações, às formigas que sobem e descem os troncos de árvore sem propósito. Ficar parado, em situação de calma e impassibilidade, é uma forma eterna e rara de sabedoria, diz Sêneca.

É uma imagem que sempre me ocorre, a das formigas. Quando percebo que estou subindo e descendo troncos de árvores, me belisco mentalmente para me aquietar.

Sêneca foi um dos mais influentes personagens de Roma no governo de Nero. O início de Nero foi auspicioso graças a Sêneca, que foi seu preceptor, mentor, orientador. Depois Nero foi perdendo o juízo, e Sêneca acabou condenado à morte. Era uma sentença diferente do tipo de pena de morte que conhecemos hoje. A própria pessoa se matava.

É esta a cena que Rubens captura em seu grande quadro.

Sêneca cortou os pulsos numa banheira. Como Sócrates ao tomar a cicuta, foi um gigante diante da morte. Consolou a mulher e os discípulos enquanto sua vida se esvaía.

Os adversários diziam que Sêneca, riquíssimo nos tempos em que Nero o ouvia, não vivia como um filósofo. Ele replicava que, como todo mundo, estava na busca constante de aprimoramento espiritual. Admitia que não era perfeito. Mas quem era? Se a perfeição fosse imperativo para que se escrevesse sobre filosofia, provavelmente nem uma única página teria sido escrita em tempo nenhum, argumentava, inteligentemente, Sêneca.

Se não viveu como se espera que um filósofo viva, Sêneca morreu como um colosso. Montaigne, um admirador do estoicismo de Sêneca, disse em seus Ensaios – leia, se não leu ainda – que o tamanho de um homem se define na atitude perante a morte.

Sêneca enfrentou a morte absurda com coragem inexpugnável, um gesto que inspira tanto quanto seus escritos extraordinários.

Paulo Nogueira

O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

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