A mulher mais poderosa do mundo consegue o terceiro mandato na Alemanha

Atualizado em 2 de outubro de 2014 às 16:47
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Merkel

Publicado originalmente na BBC Brasil.

A Europa inteira se voltou neste domingo às eleições da Alemanha, que, por conta de sua força econômica, influencia o futuro de todo o continente. E a mulher no centro deste evento político é a chanceler (premiê) Angela Merkel.

É por isso que se tornou tão importante entender melhor como pensa Merkel – uma política particularmente reticente e cuidadosa com sua privacidade, sem sinais de exibicionismo ou ostentação. Até mesmo para os alemães, é difícil conhecê-la bem.

Ela recusou pedidos de entrevistas antes das eleições. Mas a BBC conversou com diversos amigos, políticos, aliados e críticos, desde os tempos de sua infância em Templin, na Alemanha Oriental.

Merkel na verdade nasceu em Hamburgo, na parte ocidental do país. Seu pai, Horst, um pastor luterano, mudou ao Leste em 1954, quando Angela tinha poucas semanas de vida.

Apesar da discrição de Merkel quanto a suas visões religiosas, fica claro que o papel de seu pai na igreja teve profunda influência em sua vida, como uma bússola moral.

Sua infância foi marcada também pela Guerra Fria. Seu pai, um socialista, organizava encontros políticos em sua igreja, e os debates na mesa de jantar da família eram comuns. A jovem Angela aprendeu a não chamar a atenção da Stasi, a polícia secreta da Alemanha.

A impossibilidade de se expressar politicamente na Alemanha Oriental afetava as pessoas de maneiras distintas. Hartmut Hohensee, amigo de infância de Merkel, compara isso a “uma espécie de paralisia que torcíamos para que passasse”.

A de Merkel só começou a passar em 1989, com a queda do Muro de Berlim, que convulsionou a política do país.

Conversas de bar viraram protestos; movimentos viraram partidos políticos; pela primeira vez, indivíduos tentavam tomar o controle do país. É nesse mundo que Angela Merkel tentou entrar, aos 35 anos.

Dona de um doutorado em química quântica, ela se destacava no ambiente político.

“Ela não parecia ligar para sua aparência”, conta Lothar de Maiziere, o último primeiro-ministro da Alemanha Oriental. “Parecia uma típica cientista, com camisetas largas, sandálias e cabelo curto.”

Para a surpresa de muitos, a mulher que crescera sob o comunismo decidiu se filiar ao predominantemente masculino e patriarcal Partido Democrata Cristão (CDU). No final dos anos 1990, se tornou membro do Parlamento pelo CDU, o maior partido da Alemanha Ocidental.

O então chanceler Helmut Kohl queria alguém do sexo feminino, discreto e oriundo do Leste alemão para seu primeiro gabinete ministerial pós-unificação. Maiziere recomendou Merkel. Começando como ministra para temas femininos, ela passou para o Ministério do Meio Ambiente e lentamente escalou ao topo da política.

Mas, em 1999, a antes calada jovem de Templin surpreendeu a todos. Veio à tona a informação de que Kohl – que se referia a Merkel como “maedchen”, ou garotinha – havia desviado doações para um fundo secreto usado para remunerar aliados.

Merkel foi a única a confrontar Kohl. Em reportagem de capa em um importante jornal conservador, ela denunciou seu antigo mentor e pediu sua renúncia. O ato alçou Merkel a voos ainda mais altos.

“O que muitos não entendem é que ela é uma operadora política impiedosa”, opina Jonathan Powell, que conheceu Merkel quando era chefe de gabinete do governo britânico. “A forma como ela lidou com seus rivais na CDU foi extraordinariamente maquiavélico, desse ponto de vista. Ela se livraria deles num piscar de olhos.”

Merkel se tornou líder do CDU e a primeira mulher chanceler do país cinco anos depois.

O momento definitivo, até agora, de seus oito anos no governo alemão veio com a crise financeira na zona do euro. A Grécia revelou ter uma enorme – e ingerenciável – dívida pública. Outros países europeus começaram a apresentar déficits parecidos.

Mas, enquanto a Europa esperava para ver se a Alemanha concordaria com um pacote de resgate aos demais membros da zona do euro, Merkel foi criticada por reagir muito lentamente.

Cautela e consenso, porém, sempre foram marcas da máquina política de Merkel. “Você só consegue gerenciar uma crise como essa se unir as pessoas”, diz Ursula von der Leyen, que integrou todos os gabinetes da chanceler desde 2005. “Angela Merkel sempre soube onde queria estar, mas tomou seu tempo para encontrar um caminho que pudesse ser compartilhado.”

Não é possível afirmar ter “desvendado” Merkel – um personagem excepcionalmente complexo e multifacetado.

Muito de sua história parece ecoar a da ex-premiê britânica Margaret Thatcher. Merkel veio da periferia política – no caso, Alemanha Oriental – e cresceu com um pai bastante moralizador. Um tanto solitária, se tornou uma cientista antes de entrar na política.

Dentro de seu partido, foi escolhida como um talento feminino útil por um mentor de certa forma condescendente – Kohl -, surpreendeu a todos por sua dureza ao se livrar dele e, ao fim, ocupar o poder. Assim como Thatcher, Merkel é conhecida por trabalhar duro, se atentar a detalhes e ser uma política ardilosa.

Mas as diferenças entre as duas importam mais do que as semelhanças. Tendo vindo do Leste alemão, Merkel acredita em solidariedade social e em diálogo com os sindicatos. Em um sistema político baseado na coalizão, ela prima pelo consenso e, quando quer, pela lentidão.

Será que ela seguirá sendo crucial ao futuro da economia europeia e global? Provavelmente. Pesquisas indicam que o partido de Merkel deve obter o maior número de assentos no Parlamento, mas seus parceiros de coalizão, os democratas liberais, podem não conquistar o mínimo necessário. O desafio de Merkel, nesse cenário, será possivelmente montar uma nova coalizão com seu principal rival, o social-democrata Peer Steinbrueck.