A mulher que agrediu Judith Butler é o que restou dos paneleiros, zumbis tristes do impeachment. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 12 de novembro de 2017 às 18:14
Celene Carvalho em 2014, quando encontrou uma razão de vida

Um dos grandes mistérios da humanidade, ao lado do Triângulo das Bahamas e das duas naturezas de Cristo, é: o que aconteceu com os paneleiros?

Muita gente boa na esquerda cobra deles a indignação com a canalhocracia que acabaram instalando no poder. Por que não vão mais à janela?

É uma indagação besta e sem sentido. Nunca foi sobre corrupção. A imensa maioria dos coxas, eventualmente envergonhados, agora finge que a roubalheira desastrosa não é com eles e toca a vida.

O MBL, o maior dos movimentos anti impeachment, transportou sua picaretagem para o establishment político. Os kataguiris continuam se prostituindo, mas agora na situação.

Mas uns poucos tiveram que dar serventia a seu fervor jesuítico contra a esquerda e com o fato de ter perdido relevância e não aparecer mais na TV.

Órfãos, abandonados em seu ódio e sua amargura, os paneleiros mais roots ficaram na mão. Sem saída, migraram do combate à corrupção para pautas comportamentais identificadas com a esquerda.

Se não têm mais o bando, passam a agir sozinhos, em dois ou três. São pequenas células terroristas, como os perpetradores dos ataques recentes na Europa e nos EUA. Lobos solitários.

Isso explica Celene Carvalho. Um zumbi do impeachment.

Celene é a mineira de 52 anos que tacou fogo numa boneca de Judith Butler num protesto em frente ao Sesc Pompéia. Também foi ela que perseguiu a filósofa americana no Aeroporto de Congonhas, mandando-a embora num inglês escorreito, batendo na inimiga com um cartaz grotesco, passando vergonha.

Ela ficou famosa quando xingou de todos os nomes Eduardo Suplicy na Livraria Cultura, em São Paulo. Depois se consagrou como uma das criadoras do pixuleco do Lula. Tudo em 2015.

A revista Piauí deu um perfil alentado de Celene quando o inflável era um sucesso. Reproduzo, ao final deste artigo, alguns trechos. Numa passagem, o repórter conta que Celene conversa com o pixuleco em seu carro.

Com quem mais ela falaria? Sozinha, sem marido, sem filhos, sem nada — com quem? A imbecilidade coletiva do golpe lhe rendeu uma razão de viver, mais do que uma causa política.

Não tem mais ninguém na Paulista? Não faz mal. Ela vai sozinha com sua indigência, sua incultura e a falta de modéstia dos cretinos atacar “esquerdopatas” em aeroportos ou exposições.

Ali dá duas ou três entrevistas e fica contente.

Celene é uma morta viva. Uma morta viva perigosa e violenta, porém. O que ela não calcula, em sua miséria, é que um dia alguém vai revidar suas agressões e o resultado não será bonito.

É inevitável.

Até lá, ela arrastará sua carcaça verde e amarela por aí, caçando adversários imaginários, vomitando rancor — um triste e patético suvenir de uma fraude nacional, usada e jogada fora.

Em frente ao Sesc, antes de queimar a bruxa

Da Piauí:

Celene Salomão Carvalho é filha de Célio com Marlene. Nasceu há 50 anos em São Lourenço, Minas Gerais, mas passou a infância e a adolescência no Rio de Janeiro – primeiro no Méier, depois em Ipanema e por fim na Barra da Tijuca. Hoje mora em São Paulo, onde aluga um flat pequeno, de quarto e sala, no bairro da Liberdade. Na sala, tem uma foto do papa Francisco e um livro do padre Juarez de Castro, responsável pela paróquia que ela frequenta. Vai à igreja todo domingo, “a não ser quando tem manifestação”.

Econômica, pede desconto em restaurante, hotel e posto de gasolina. Prefere abastecer o carro nos postos da bandeira Shell – quando é Shell, com o litro a 3,09 reais, se vê impelida a parar. Dirige bem, entende de carro. “Esse Nissan novo eu não tinha visto ainda, o Murano”, comentou certo dia. Abraça, decora nomes, tem um jeitão simpático de tia do interior. Abusa dos diminutivos: “turminha”, “quilometrinhos”, “joinha”. Também adora o termo “nesse ínterim”. É solteira, não tem filhos. A mãe, os dois irmãos e a irmã moram no Espírito Santo. O pai, de quem era próxima, faleceu há vinte anos.

Sua vida, pela quantidade de reviravoltas, tem um quê de Forrest Gump. Aos 15 anos ela viajou com o pai pelos países comunistas da Europa. “Foi meu presente de aniversário”, contou. “Meu pai tinha nascido pobre, trabalhado muito, comprado um hotel. Quis me mostrar que o comunismo não funcionava.” Visitaram Rússia, Bulgária, Alemanha Oriental, Romênia e Iugoslávia. “Fomos até numa reunião dos camaradas. Ele fingia ser comunista para participar”, disse. “Nos serviram bofe, que é pior que carne de terceira. Era carne que dávamos para cachorro. Aquela ideologia nunca me agradou.”

Finda a escola, resolveu estudar hotelaria. Estagiava no hotel Sheraton, no Rio, quando uma prima, recém-diagnosticada com câncer, pediu-lhe que a acompanhasse durante o tratamento nos Estados Unidos. “De todos na família, eu era quem melhor falava inglês”, explicou. “E nem todo mundo se dava com ela.” Aceitou viajar, sob a condição de ganhar, na volta, um bilhete de avião para a Noruega. “Eu tinha uma amiga norueguesa. Sempre quis morar lá.”

Em 1991 partiu, com a prima, para um período de três meses em Pittsburgh. Servia de tradutora, amiga, guia turística. No hospital, conquistou a simpatia dos médicos, que passaram a lhe pedir ajuda para lidar com outros pacientes brasileiros. Houve ciúmes, a promessa da passagem foi rompida. A prima voltou, a acompanhante ficou.

Ilegal, passou a trabalhar numa pizzaria. Lavava prato, preparava sanduíche e, vez por outra, entregava pizza em algum set de filmagem. “Pittsburgh é importante no cinema”, disse. “Vi a Jodie Foster fazendo O Silêncio dos Inocentes. Também entreguei num set que tinha o Bruce Willis.”

Os três meses viraram dez anos. Ganhou dinheiro, comprou casa. No apuro de conseguir um visto permanente, pagou 5 mil dólares para casar com um americano que não conhecia. Arrependeu-se, divorciou-se, continuou na ilegalidade. Em 2000, foi denunciada à imigração. “Tive medo de ser deportada. Fiz o que não devia ter feito”, contou. “Vendi tudo e voltei ao Brasil.” Seu coração continuou nos Estados Unidos: “No 11 de Setembro fiquei tão triste que fui comer no McDonald’s. Foi minha forma de prestar solidariedade.”

De volta, escolheu São Paulo. Gerenciou um restaurante nos Jardins, um flat na Bela Vista e um estacionamento em Pinheiros. “O que aparece eu faço”, explicou. “Adoro pegar troço caído e levantar.” Foi o caso do estacionamento, até então deficitário. Pintou golfinhos na parede e um polvo na guarita. Pediu a um amigo, mergulhador, que trouxesse conchas para presentear as crianças. O local foi rebatizado de Aquarium Park. “Ficou um show de estacionamento”, lembrou, orgulhosa. “O pessoal fazia fila para parar.”

Em 2005, após fundar uma associação de moradores, expulsar invasores de um prédio vizinho e ter a casa invadida, decidiu mudar de vida. Abriu uma loja de bijuteria em São Lourenço, onde nasceu. Talvez pelo interesse político – ou talvez por servir um café de cortesia –, acabou virando a ouvidora informal dos 50 mil moradores da cidade. “Eu era um para-raios de reclamações”, contou. “De noite, o pessoal deixava documento de denúncia por baixo da porta.” Criou um movimento, denunciou o prefeito. Seis anos depois, por insistência dos amigos, decidiu ela mesma se candidatar.

“O problema é que só tinha um partido disponível na cidade”, contou. O partido era o PSOL. “Fui a São Paulo conversar com o Plínio de Arruda Sampaio. Disse: ‘Plínio, eu não concordo em nada com o seu partido.’” Acabou convencida. “Fingi que era um partido novinho meu. Na minha ilusão, achava que poderia salvar a cidade.” Ficou em último lugar, com 370 votos. Depois, mais uma vez, voltou a São Paulo.

Com o ex-ídolo Reinaldo Azevedo