A “nação brasileira” não existe. Existem executores e vítimas. Qual o seu lado? Por Camila Nogueira

Atualizado em 10 de outubro de 2018 às 21:27
Bolsonaro e Haddad

Ao meu redor, vejo inúmeros “indecisos”.

Vejo igualmente algumas pessoas que, por mais que não aprovem todas as ideias de Jair Bolsonaro, sentem-se tentadas a apostar no mesmo como o futuro presidente do Brasil.

Muitas dessas pessoas não demonstram grande antipatia pela figura serena e acadêmica de Fernando Haddad, o candidato do Partido dos Trabalhadores. Relatam apenas algum medo de que Lula, a quem temem e desaprovam, governe através de seu sucessor.

Inconscientes ou não de que o candidato a quem apoiam – seja diretamente, com o voto, ou indiretamente, com a abstenção – representa a ascensão e a proliferação da ideologia fascista em nosso país e, como consequência, um imenso retrocesso, tais pessoas alegam que as suas decisões repousam no repúdio à corrupção e em seu “inabalável” amor (com nuances de esperança) pela nação brasileira.

E daí podemos lançar a pergunta: será que a nação brasileira de fato existe?

Ou, colocando em outras palavras, há de fato uma comunidade de pessoas com interesses em comum – um pretenso “interesse nacional”?

Diria Howard Zinn, um dos mais relevantes intelectuais americanos do século passado e autor dos livros The People’s History of the United States e Terrorism and War, que algo que possa ser classificado como “interesse nacional” é inteiramente inexistentes.

Em suas palavras:

As nações não são comunidades, e jamais o foram. A história de qualquer país, apresentada como a história de uma só família, oculta os mais ferozes conflitos de interesses (certas vezes explosivos mas com mais frequência sufocados) entre conquistadores e conquistados, entre senhores e escravos, entre capitalistas e proletários, entre dominadores e dominados em termos raciais ou sexuais. E em um mundo repleto de conflitos, em um mundo de vítimas e de executores, o papel daqueles que raciocinam, assim como sugeriu Albert Camus, é jamais estar ao lado dos executores.

Se você for mulher, se você for negro, se você for homossexual ou se você for pobre, saiba que os interesses representados por Jair Bolsonaro não são os seus. Você estará ajudando a eleger um governo que jamais priorizará o seu bem-estar. Um governo para o qual nem mesmo a sua vida importará.

Em diversos sentidos a elite brasileira consiste em uma das mais perfeitas representações da personalidade autoritária sobre a qual o intelectual alemão Theodor Adorno discorreu longamente, “obcecada com o aparente declínio dos padrões tradicionais, inteiramente incapaz de aceitar as mudanças e de lidar de maneira apropriada com elas, e aprisionada por um ódio mortífero por todos aqueles que fazem parte de outro grupo que não aquele ao qual pertence”.

Os conflitos existentes no país não foram produzidos pelo governo petista. Eles são fruto dos séculos de exploração que caracterizam a história brasileira – a exploração realizada pelos ricos em relação aos pobres, pelos homens em relação às mulheres e pelos brancos em relação aos negros, entre outros.

Boris Fausto, um dos grandes historiadores brasileiros, alegou ser o “padrão autoritário” uma das mais profundas marcas da cultura política do país, uma vez que este conta com uma população muito pouco politizada, com uma esquerda desorganizada politicamente e com uma elite que jamais teve escrúpulos em interromper o jogo democrático a fim de assegurar-se de seus privilégios.

É o jogo dessa elite que você pretende comprar? De uma elite para a qual o seu bem-estar e o seu futuro são inteiramente irrelevantes?

Pensemos, mais uma vez, em Howard Zinn.

You can’t be neutral on a moving train. Não se pode manter a neutralidade em um trem em movimento.