A obra de Jane Austen segundo Charlotte Brontë. Por Camila Nogueira

Atualizado em 10 de setembro de 2015 às 0:52
Retratos de Brontë e Austen, respectivamente
Retratos de Brontë e Austen, respectivamente

Jane Austen (1775 – 1817) e Charlotte Brontë (1816 – 1855) representam o que há de melhor na ficção inglesa. Cultas, inteligentes e talentosas, ambas as romancistas morreram ainda jovens, mas deixaram para a posteridade um número considerável de obras de grande valor literário. Ainda assim, havia pouco em comum entre essas duas mulheres geniais: enquanto a escrita de Austen era perfeitamente polida e racional (e deliciosamente sarcástica), Brontë revelava certa predileção por paixões tempestuosas e ambientes sinistros. As frases a seguir foram retiradas de uma série de cartas escritas por Brontë a um amigo, grande admirador de Austen. Nela, a jovem vitoriana revela sua indiferença perante a obra da mais famosa escritora da Regência. (É permitido que a entrevistadora revele sua opinião pessoal? Não importa. Aqui está ela: a obra de Charlotte Brontë me encanta, mas Austen ocupa um local especial no meu coração de devoradora de livros, e meu amor por ela é comparável apenas a meu amor por Emily, das talentosas Brontë a “irmã do meio”). Quanto ao texto em questão, acredito que a única pessoa apta a criticar Jane Austen é justamente Charlotte Brontë, assim como só consigo aceitar críticas a Shakespeare quando vindas de Tolstói.

Miss Brontë, muitas comparações são traçadas entre a senhorita e Jane Austen – que faleceu um ano depois de seu nascimento. Embora as duas tenham sido escritoras de talento inigualável, seus estilos são completamente diferentes. Penso que a senhorita tenha lido ao menos um dos romances de Austen. Se for esse o caso, diga sua opinião a respeito dela.

Quando peguei Orgulho e Preconceito para ler, o que encontrei? Uma superfície trivial; um jardim cuidadosamente cercado e altamente cultivado, com fronteiras elegantes e flores delicadas – mas sem um único relance de uma fisionomia intensa e iluminada, nenhuma terra aberta, nenhum ar fresco, nenhuma colina, nenhum riacho…

A senhorita não aprecia o espírito de Miss Austen?

Eu posso entender a admiração por George Sand. Ela tem uma inteligência que, embora eu não seja capaz de compreender inteiramente, respeito muito; ela é sagaz e profunda. Miss Austen é apenas sensata e observadora.

Nesse caso, tente levar em conta que Austen não foi uma poetisa.

Pode existir um grande artista sem poesia?

A senhorita leu algum outro romance de Miss Austen?

Sim, Emma.

E o que achou?

Li o romance em questão com interesse, com a medida de admiração que a própria escritora teria considerado conveniente. Isto é, não senti a menor excitação ou entusiasmo. Nos elogios que tenho a fazer do livro, qualquer elemento efusivo, enérgico, picante ou passional se encontraria completamente deslocado. Suponho que Miss Austen receberia demonstrações dessa espécie com um sarcasmo polido e refinado, e as desprezaria plácida e delicadamente como extravagantes.

Isso foi mesmo um elogio?

Bem, deixe-me elogiá-la agora. Miss Austen cumpre curiosamente bem a tarefa de retratar a vida dos ingleses distintos de sua época. Ela não perturba o leitor com nada ardente, não o inquieta com nada profundo; conhece as Paixões, mas rejeita qualquer contato com elas; os Sentimentos são abordados, mas com uma condescendência graciosa e distante, uma vez que, se fossem conjurados com frequência, perturbariam a elegância suave de seu trabalho.

Resumidamente…

Miss Jane Austen foi uma dama completa e bastante sensata, mas uma mulher incompleta e desprovida de sensibilidade (não de sensatez).

Camila Nogueira
Aos 19 anos, Camila Nogueira estuda Letras na USP. Já aos 10 anos, constatou que seus maiores interesses na vida consistiam em sua família, em cerejas e em Machado de Assis. Em uma etapa posterior, adicionou à sua lista ópera italiana e artistas coreanos.