A Operação Uruguai de Bolsonaro. Por Andrei Meireles

Atualizado em 30 de junho de 2021 às 20:39
Jair Bolsonaro e Ricardo Barros – Foto Orlando Brito

Originalmente publicado em OS DIVERGENTES

Por Andrei Meireles

É impressionante a fragilidade dos golpes quando eles são desvendados. Até parece óbvio um esquema de roubalheira no Ministério da Saúde, que começou antes, mas foi mantido pelo atual governo, a um custo incalculável em vidas e nos bolsos dos contribuintes. A corrida atrás do próprio rabo pelo governo Bolsonaro, além de ridícula, pode ser enquadrada em uma penca de crimes.

As revelações ao ministério público e à CPI da Covid pelos irmãos Miranda – Luís Ricardo, até aqui um servidor público exemplar, e o controvertido deputado Luís Miranda — sobre a denúncia que fizeram ao presidente Jair Bolsonaro de que estava rolando no Ministério da Saúde uma tramoia bilionária tirou dos inquilinos do Palácio do Planalto o saideiro restinho de uma narrativa desastrada e trágica.

Perto dela, até a famosa Operação Uruguai — derradeira tentativa de Fernando Collor para se livrar do impeachment — com um suposto empréstimo do exterior para justificar inexplicáveis rendimentos e seu de padrão de vida, desmascarado pela CPI de então, foi menos amadora. Caiu por terra  com a revelação da fraude pela secretária Sandra Fernandes de Oliveira, que trabalhava em uma empresa privada que participou da armação. Os depoimentos dela e o do motorista Eriberto França foram decisivos para a queda de Collor.

Aquela tentativa mal sucedida pelo menos teve algum planejamento. No escândalo sobre a compra da vacina Covaxin nem isso teve. É uma sucessão de improvisos que só reforçam a amadora montagem de um enredo sem qualquer sustentação na realidade. Um grotesco espetáculo no Palácio do Planalto desencadeou uma sequência de erros. Com a pompa, a  circunstância e a arrogância de sempre, antes mesmos dos depoimentos dos Miranda na CPI, Bolsonaro tentou desacreditá-los escalando o ministro Onix Lorenzoni e o coronel Élcio Franco para um pronunciamento no Palácio do Planalto.

Com ameaças e olhos marejados, a dupla palaciana tentou intimidar os irmãos Miranda. Virou piada antes mesmo do fracasso desse teatrinho que fracassou com as avassaladoras revelações dos Miranda na CPI da Pandemia.  Afirmaram que o servidor Luís Ricardo Miranda — chefe do departamento de importação de insumos e vacinas do Ministério da Saúde, que estava nos Estados Unidos organizando a vinda das vacinas Jansen doadas pelo governo americano — fraudara uma fatura para prejudicar o governo. Mais: anunciaram que Jair Bolsonaro estava mandando a Polícia Federal e a Controladoria Geral da União investigar a fraude.

A tal fatura, que previa aberrações como um pagamento antecipado de R$ 222,6 milhões a uma empresa de fachada em Cingapura, é autêntica e está no processo de compra no Ministério da Saúde. O pior é que o governo até hoje não consegue explicar mais nada. Onix saiu de cena. Élcio Franco não consegue sair dela.

Por sua vez, Bolsonaro repete o comportamento de sempre quando está com medo. Até agora não deu um pio sobre a conversa com os irmãos Miranda — trai o medo de que tenha sido gravada. Seu governo segue criando versões cada vez mais inverossímeis. A última é que o general Eduardo Pazuello, mesmo depois de limpar suas gavetas no Ministério da Saúde, em seu último dia de aviso prévio, foi acionado por Bolsonaro e repassou ao tal coronel Élcio Franco — demitido dias depois —  a tarefa de investigar se houve ilegalidades e/ou corrupção na inusitada negociação para a compra da Covaxin.

Pazuello deu a esfarrapada desculpa de que nada contou ao ministro Marcelo Queiroga porque a apuração não encontrou nenhum problema no negócio. A CPI da Covid vai deitar e rolar nessas versões muito mal ajambradas que não resistem a nenhuma lógica.

Enquanto isso, Bolsonaro delira. Na madrugada da terça-feira (29), ele divulgou um vídeo no facebook em que disse: “Me acusam de corrupção virtual. Não recebemos uma ampola da vacina, não paguei um centavo, e estão me acusando de corrupção”. Horas antes, produziu outra pérola. “Eu nem sabia como é que estava a tratativa da Covaxin, porque são 22 ministérios… Não tenho como saber o que acontece nos ministérios”.

Mais uma farsa. O dinheiro só não saiu dos cofres públicos porque precisava da assinatura do Luís Ricardo, que, mesmo sob pressão de seus superiores, se negou a assinar. Na conversa com Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, ele deu nomes aos bois. Todos subordinados ao coronel Élcio Franco.

Um deles, o diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias — apadrinhado do deputado Ricardo Barros – foi demitido na noite dessa terça-feira, após nova acusação. Vale lembrar que ele foi indicado por Bolsonaro, em outubro de 2020, para uma diretoria da Anvisa.

De nada adiantou o anúncio da suspensão do contrato para a compra da Covaxin. Em entrevista à Folha de São Paulo, o empresário Luiz Paulo Dominguetti, contou nessa terça-feira, com todos os detalhes que, em um restaurante em Brasília, Roberto Dias e outras duas pessoas — um deles militar — teriam condicionado a aprovação de sua proposta de venda de 400 milhões de doses da AstraZeneca a uma propina de U$ 1 por cada uma delas. “O caminho do que aconteceu nesses bastidores com o Roberto Dias foi uma coisa muito tenebrosa”. Dominguetti vai depor na CPI.

Tem mais. Em entrevista a O Antagonista, o deputado Luís Miranda, que vai soltando acusações em pílulas, denunciou as tentativas de Ricardo Barros e do lobista Silvio Assis de convencê-lo a não revelar as maracutaias no Ministério da Saúde. A porteira foi aberta e pode passar uma boiada de negócios no mínimo esquisitos por ela.

A conferir.