A passagem da Bíblia em que o povo de Deus comete um genocídio e que os evangélicos fingem desconhecer. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 23 de dezembro de 2017 às 17:54
O massacre dos midianitas

Em sua cruzada moralista, a extrema direita indigente tem acusado artistas de pedofilia — sempre com uma Bíblia nas mãos.

De Caetano Veloso ao curador da Queermuseu, todo os inimigos imaginários desse pessoal abusam dos inocentes.

Marco Feliciano, por exemplo, gravou um vídeo em que se disse “indignado” e “enfurecido” com mostras de arte como a do MAM e do Santander.

“Não erotizem nossas crianças e não as transformem em adultos pervertidos como vocês são”, falou o santo Feliciano.

Magno Malta (nome é destino, segundo Paulo Francis) atacou “os que defendem a pedofilia, o homossexualismo e o aborto. Essa gente vazia que não valoriza a vida não está ofendendo só a mim, mas uma nação cristã”.

Os fundamentalistas interpretam seu livro sagrado da maneira como bem entendem ou não entendem.

José Saramago afirmava que a Bíblia era leitura para adultos, cheia de “maus conselhos, incestos, matanças”.

A lista de barbaridades, a maior parte delas ordenada por Deus ou sob suas barbas, é interminável.

Mas há uma passagem que, de acordo com os nossos campeões da moral e dos bons costumes, poderia ser enquadrada como pedofilia.

Em “Deus, um Delírio”, o escritor britânico e biólogo evolutivo Richard Dawkins fala dela:

O livro dos Números conta como Deus incitou Moisés a atacar os midianitas. Seu exército tratou de matar todos os homens, e incendiar todas as cidades midianitas, mas poupou as mulheres e as crianças. Esse comedimento piedoso dos soldados enfureceu Moisés, e ele ordenou que todos os meninos fossem mortos, e todas as mulheres que não fossem virgens.

“Porém todas as meninas, e as jovens que não coabitaram com algum homem, deitando-se com ele, deixai-as viver para vós” (Números 31, 18). Não, Moisés não era uma pessoa digna de ser tomada como exemplo por moralistas modernos. Quando os autores religiosos modernos associam algum significado simbólico ou alegórico ao massacre dos midianitas, o simbolismo vai na direção errada. Os pobres midianitas, pelo menos pelo que dá para saber pelo relato bíblico, foram vítimas de um genocídio em suas próprias terras.

“Viver para vós” é auto explicativo. Como no caso de amor de Davi e Jônatas, é um trecho convenientemente esquecido ou justificado por ignorantes.

Abaixo, os versículos:

E falou o SENHOR a Moisés, dizendo:
Vinga os filhos de Israel dos midianitas; depois recolhido serás ao teu povo.
Falou, pois, Moisés ao povo, dizendo: Armem-se alguns de vós para a guerra, e saiam contra os midianitas, para fazerem a vingança do Senhor contra eles.
Mil de cada tribo, entre todas as tribos de Israel, enviareis à guerra.
Assim foram dados, dos milhares de Israel, mil de cada tribo; doze mil armados para a peleja.
E Moisés os mandou à guerra, mil de cada tribo, e com eles Finéias, filho de Eleazar, o sacerdote, com os vasos do santuário, e com as trombetas do alarido na sua mão.
E pelejaram contra os midianitas, como o Senhor ordenara a Moisés; e mataram a todos os homens.
Mataram também, além dos que já haviam sido mortos, os reis dos midianitas: a Evi, e a Requém, e a Zur, e a Hur, e a Reba, cinco reis dos midianitas; também a Balaão, filho de Beor, mataram à espada.
Porém, os filhos de Israel levaram presas as mulheres dos midianitas e as suas crianças; também levaram todos os seus animais e todo o seu gado, e todos os seus bens.
E queimaram a fogo todas as suas cidades com todas as suas habitações e todos os seus acampamentos.
E tomaram todo o despojo e toda a presa de homens e de animais.
E trouxeram a Moisés e a Eleazar, o sacerdote, e à congregação dos filhos de Israel, os cativos, e a presa, e o despojo, para o arraial, nas campinas de Moabe, que estão junto ao Jordão, na altura de Jericó.
Porém Moisés e Eleazar, o sacerdote, e todos os príncipes da congregação, saíram a recebê-los fora do arraial.
E indignou-se Moisés grandemente contra os oficiais do exército, capitães dos milhares e capitães das centenas, que vinham do serviço da guerra.
E Moisés disse-lhes: Deixastes viver todas as mulheres?
Eis que estas foram as que, por conselho de Balaão, deram ocasião aos filhos de Israel de transgredir contra o Senhor no caso de Peor; por isso houve aquela praga entre a congregação do Senhor.
Agora, pois, matai todo o homem entre as crianças, e matai toda a mulher que conheceu algum homem, deitando-se com ele.
Porém, todas as meninas que não conheceram algum homem, deitando-se com ele, deixai-as viver para vós.
Números 31:1-18