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A PEC Brucutu e a Lei da Vacina que não vale nada. Por Fernando Brito

Congresso Nacional – AFP Photo/Pedro Ladeira

Publicado originalmente no Tijolaço:

Por Fernando Brito

O que se assistiu ontem e se assistirá hoje, no Congresso é completamente inadmissível, mesmo nestes frangalhos de Estado de Direito que nos restam.

Um projeto de lei patrocinado pelo presidente do Senado – o da privatização das vacinas – e uma emenda constitucional gestada pelo presidente da Câmara – a PEC da impunidade parlamentar – transformaram o processo legislativo em um “vem comigo que depois eu te conto” as decisões parlamentares.

Comecemos pela PEC da impunidade que cuja monstruosidade bem poderia ser mais explicitada se a chamássemos de Emenda Brucutu, em homenagem ao seu inspirador, o deputado Daniel Silveira.

É claríssimo que o brutamontes não só não teria sido preso como igualmente, sem isso, não colocaria seus pares diante da difícil situação de ter de punir – ainda que com um “ai,ai,ai” de suspensão de mandato por algumas semanas (vide senador do dinheiro nas nádegas) – o “colega”.

Silveira faria – e provavelmente fará – tudo outra vez, como fez o vilipêndio à memória de Marielle Franco, a invasão do Colégio Pedro II e a ameaça aos opositores de dar um tiro “bem no meio da caixa do peito” e vamos ampliar a proteção para que mandatos legislativos sirvam para legitimar toda e qualquer barbaridade antidemocrática e violenta e que com elas se construam personagens como ele, herói dos fanáticos antissociais.

A afronta à Constituição é tão evidente que esta reação dos deputados vai se tornar, ela própria, um foco de confronto com o Judiciário, numa escalada corporativa nos poderes de onde boa coisa não sairá.

O Projeto de Lei das Vacinas, já aprovado e entregue à Câmara é um daqueles casos em que o inferno vem lotado de boas intenções.

Qual é o sentido de “permitir” que iniciativa privada compre vacinas homologadas pela Anvisa e as doe ao SUS? Desde quando isso era proibido?

Se há vacinas para vender para empresas privadas, porque não as há para que o governo as compre, como fazem os governos de todo o mundo. Seria o empresariado brasileiro assim tão generoso que está lutando para fazer o que as empresas do mundo inteiro estariam impedidas de fazer?

O uso privado por empresas – mesmo que só depois da vacinação dos “grupos prioritários” – tem endereço certo: as poucas dezenas de empresas gigantes com atuação no Brasil, porque laboratório nenhum no mundo se interessa, quando há mercado para a venda de milhões de doses, em vender mil ou dez mil vacinas, para doar metade ao SUS e imunizar mil ou dois mil de seus empregados.

Claro que essa também vai parar no STF, por violar um “artiguinho” da Constituição, o 196, que diz ser “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem (…) o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação“.

Hoje cedo, o jornalista Otávio Guedes, da Globonews, deu a medida deste ridículos, perguntando se os laboratórios produtores de vacina andavam como os carros que vendem pamonha, apregoando nas ruas: vacina, vacina prontinha, quem vai querer”…

O essencial é obrigar o governo federal, que é (ou deveria ser) o grande reitor do processo de aquisição de vacinas no mercado mundial. Ele, muito mais que governos estaduais ou até municipais, como autoriza a lei, tem condições de negociar no exterior, adquirir em grande volume e superar as questões diplomáticas, como vimos com a China e com a Índia.

De novo: o que é que impede governos estaduais e municipais de comprarem vacinas no exterior? São Paulo não comprou da chinesa Sinovac dezenas de milhões de doses. E se, pela lei, o governo federal reembolsará estas compras, não virá tudo do mesmo cofre?

A nova lei, portanto, ou é inútil ou é suspeita, porque feita numa votação corrida – Deus, a pandemia tem um ano e as vacinas mais de seis meses! – como se fosse, semana que vem, resolver o problema da vacinação tartaruga que temos até agora.

Fernando Brito

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