A pergunta incômoda: o que está acontecendo com os jovens? Por Moisés Mendes

Atualizado em 10 de maio de 2021 às 17:29

Publicado originalmente no Jornalistas pela Democracia

As esquerdas, dentro e fora de partidos, movimentos sociais, sindicatos, entidades estudantis e todas as organizações militantes da democracia têm alguns constrangimentos que não conseguem resolver. São os déficits de organização, resistência, narrativa e de comunicação tratados (ou ignorados) hoje quase como tabus.

O caso mais recente de constrangimento é o da reação à chacina do Jacarezinho. Até a indignação retórica, que nem sempre significa algo consequente, ficou aquém da dimensão da matança.

O déficit que mais constrange é o da incapacidade de mobilização, de ação e mesmo de imposição física nas ruas. Por causa da pandemia? Sabemos que não.

Foi brava, mas numericamente minúscula, a participação no protesto que moradores da favela organizaram diante da Cidade da Polícia, no dia seguinte ao massacre.

A valentia dos que foram às ruas conseguiu reunir pouco mais de cinco dezenas de moradores. Não chegaram a uma centena. Mas eles estavam lá.

Quem imaginava que o morro desceria como há muito tempo não desce, indo pra cima da polícia e do governo, viu rostos que os cariocas devem ver e rever a cada mobilização depois de atos de violência do Estado contra pobres e negros.

Quase só os negros participaram do protesto. O simplismo vai dizer que é assim mesmo, que a maioria dos favelados é de negros. Mas não explica tudo, só repete desculpas.

Onde se meteram os brancos, e não só os moradores dos morros? Onde se enfiou a classe média branca da zona sul que protesta nas redes sociais?

Há um desconforto com as ausências, mas apenas desconforto. As esquerdas lidam mal com a incapacidade de mobilização dos jovens, sabendo que os velhos estão cansados.

Para as esquerdas, em algum momento algo irá acontecer contra o genocídio da pandemia, contra o desemprego, a inflação, o desalento, as chacinas e a destruição do país por Bolsonaro.

Chile, Equador, Paraguai, Argentina, Uruguai, Peru e agora a Colômbia exercitam de tempos em tempos a capacidade de mobilização dos jovens. Avançam, recuam, mas vão engrossando o caldo e se mantêm de prontidão.

No Brasil, as grandes manifestações de estudantes, que se iniciaram no verão e se estenderam ao inverno de 2013, estão completando oito anos.

As ocupações de escolas, talvez as últimas manifestações relevantes no meio estudantil no Brasil, completam agora cinco anos. Nunca mais aconteceu nada capaz de mobilizá-los, nem muito antes da pandemia.

A esquerda autoindulgente pode dizer que tivemos manifestações contra o golpe de agosto de 2016 e contra o assassinato de Marielle. Tudo muito pontual, sem o caráter da permanência e da insistência.

A comparação é inevitável, para que se tente entender o que se passa no Brasil. Os jovens colombianos erguem skates nas caminhadas nas ruas de Bogotá, para que fique claro: nós estamos aqui, não só para lutar contra reformas liberais, mas para derrubar o governo de direita de Iván Duque.

Há inquietações, algumas hibernando, em toda a América Latina. No Brasil, Bolsonaro destrói a universidade pública com método, incluindo os institutos federais fortalecidos por Lula e Dilma. ProUni, cotas e todo tipo de suporte à afirmação de pobres e negros no ensino superior gratuito estão ameaçados.

Nos faz falta hoje a dedicação de quem tenta entender inação e apatia nesse momento que as esquerdas, impotentes, preferem deixar passar, à espera de uma faísca e do imponderável.

Todas as frustrações com o desfecho de 2013, a apropriação das ruas pela direita, o golpe de 2016 e a ascensão de Bolsonaro são peças ainda desencaixadas de uma tentativa de explicação.

Falta muito para que se vislumbre um entendimento, e esse não pode esperar pela paciência dos historiadores que não têm pressa.

A renovação da representação política pelas esquerdas (Congresso, Assembleias estaduais, Câmaras de Vereadores) tem sido precária.
Mesmo assim, ainda há quem se proteja na citação das exceções.

Entidades estudantis, sindicatos, partidos, coletivos, blocos e todas as estruturas que mobilizavam os jovens foram precarizadas no Brasil. Qualquer observação sobre a paralisia esbarra no contraponto dos que entendem, pela acomodação que só faz média com os jovens, que não devemos esfolar a juventude.

Não devemos e não é disso que se trata. Mas precisamos tentar compreender o que se passa, ou fingiremos que a manifestação com 50 pessoas diante da Cidade da Polícia significa alguma coisa, depois do massacre de 28 moradores encurralados na favela.

Os jovens não conseguem respirar e não conseguem reagir. E não há reação sem eles. Tentar entender essa apatia é também tarefa dos adultos maduros e ainda habilitados a interpretar sentimentos.