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A polícia, Jacqueline Muniz, eu e como persistir? Por Helena Brasileiro, promotora de Justiça Infracional do MPDFT

POR HELENA BRASILEIRO, promotora de Justiça Infracional do MPDFT e autora do livro “O Feminino do Sul e suas Falas: um Anseio de Justiça para além das Togas e das Bocas do Direito

A CNV (comunicação não-violenta) ensina: não insistir, não desistir, persistir.  As palavras são sonoramente harmônicas, todavia a prática é, como tudo na CNV, um desafio de vencer  condicionamentos que (culpa de Kant, o paladino do burguês) julgamos universais; de vencer um padrão cognitivo e linguístico, moldado por uma cultura baseada na fantasia do contrato social para submeter/conter/domar “a natureza humana” competitiva, agressivamente competitiva (culpa de Hobbes, Rousseau, etc).

Não se ensina em nenhuma instância pedagógica ou de socialização (família, escola, igreja, playground -novelas, filmes, peças- sociedade em geral) como ser, genuinamente, “não-violento”; como viver “conflito vivo”; como se expressar, agir “empaticamente”, em cooperação.

Este texto tem a função de praticar uma “arte não violenta”: persistir, e pretende ser uma continuação de um texto publicado aqui.

A entrevista no DCM animou-me a “persistir” e enviar um outro convite/pedido quase empático à Professora Doutora Jacqueline Muniz. Trata-se de mais uma manifestação de enorme potência retórica. A Professora, apesar de ter mostrado que enfrentava uma crise alérgica ou de renite alérgica, não se deixou abater e ofereceu uma fala quase ininterrupta por mais de 2 (duas) horas. Percebi a mesma paralisia/excitação que, em meu espírito, julguei estar em toda a audiência.

Explico. No texto acima referido, expus uma pesquisa informal que fiz com minha audiência sobre uma “live” em que tive o prazer de participar com ou ouvir a Professora, em que constatei como o poder retórico avassalador da Professora seduz a direita e imobiliza a esquerda, independentemente da tintura das duas formas de ação e pensamento, digamos, sociopolítico.

A potência retórica expôs fórmulas reiteradamente usadas pela Professora e por mim já conhecidas como, por exemplo, “planejamento tático”, “armamento adequado”, “recursos de operação” como possíveis salvação para a violência policial reiterada e, infelizmente, banalizada e naturalizada.

Assim, não resisto e afirmo que tal banalização e normalização, que se seguem a espasmos de indignação, são o que impedem a realização da ideia da Professora Jaqueline de que a farda ou um distintivo associado às fórmulas retóricas acima são os ingredientes miraculosos da democratização do “poder da espada” (outra fórmula usada à saciedade). Lembremos que a toga, o diploma de Direito, o concurso público, o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Constituição não fizeram de Sérgio Moro um juiz imparcial.

Dentre as fórmulas retóricas, detectei expressões pessoais de pura irritação e sofrimento com a renite alérgica, “falas” emocionais indeléveis. Alergia é uma doença autoimune, ou seja, preciso me defender … a melhor defesa: o ataque. Assim, impossível não “vestir a carapuça” e dar um laço … melhor, “acusar o golpe” dizendo, Professora Jacqueline Muniz, eu ouvi, dentre a reconhecida e celebrada potência retórica da Senhora, uma pessoa se defendendo da “viagem na maionese” e afirmando: “não vou mudar meu pensamento”.

Entendo, não quero mudar o pensamento da Professora, mas, definitivamente, PM e polícia civil não detêm poder de polícia e pronto!! É extremamente perigoso ir no site da PM e ler que a polícia militar tem poder de polícia. Está simplesmente errado, senão vejamos: quando o poder de polícia da polícia de trânsito é delegado à polícia militar, tal delegação não pode se misturar com o poder da polícia de “abordar” e revirar o carro da pessoa fiscalizada por razões impostas pela fiscalização de trânsito. A abordagem policial só pode ocorrer diante de flagrante delito ou na hipótese de mandado judicial.

Sou Promotora de Justiça Infracional e não aceito como prova legal a que deriva de abordagem abusiva. O mesmo posicionamento tenho em audiências de custódia: ataco o “flagrante” decorrente de abordagem abusiva. O policial militar que faz fiscalização de trânsito, por delegação do poder de polícia, que a polícia de trânsito detém, não pode revirar o carro, os bolsos, as mochilas, os bolsos, as cuecas de ninguém.

Meus posicionamentos são atacados diariamente por colegas e grande maioria dos juízes. Sem titubear, continuo defendendo a absoluta necessidade de flagrante legal para o MP oferecer jurisdição, ou seja, como dono da ação penal e da ação socioeducativa, oferecer denúncia (contra maiores de 18 anos) e representação (“contra” ou, para mim, a favor de, jovens entre 12 e 17 anos)

No meu artigo, que parece ter magoado a Professora Jacqueline, peço a ela a oportunidade de conhecer o trabalho dela com a resolução pacífica de conflitos. Minha tese de doutorado e minha atuação ministerial são marcadas pelo meu propósito de, como agente político do Estado, substituir o guarda da esquina com arma de fogo, por uma pessoa que saiba falar, que saiba nutrir relações claras/conexões seguras entre voz e escuta, uma vez que todo conflito, como li em Carol Gilligan e tenho testado na vida, é uma perturbação na relação/conexão entre voz e escuta.

Diario do Centro do Mundo

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