A política, as hienas e o tabuleiro de xadrez. Por Kakay

Atualizado em 31 de outubro de 2024 às 10:02
Manifestação de simpatizantes do PT em Brasília – Foto: Reprodução

Por Antônio Carlos de Almeida Castro, no Portal iG

Penso que a discussão acirrada que se dá, neste momento, em vários grupos, sobre se o PT perdeu as eleições municipais, tem seu valor para quem faz política partidária. Para a sociedade como um todo e para o cidadão, o buraco é mais embaixo. Independentemente de partido, o que se constata é que o mundo deu uma guinada para valores identificados com a direita e, até, para a extrema direita. As pessoas perderam, em boa parte, o sentido de solidariedade e de compaixão que ainda mantinham — ou mantêm? — certa esperança na utopia de um mundo mais igual e justo.

Hoje, ser professor é considerado, por parte dos “influenciadores do pensamento”, um retumbante fracasso. Se você não empreendeu e não acumulou bens e dinheiro, vai ser expelido, expulso do rol dos políticos que podem estar à frente de um projeto de governo. E as dificuldades vão muito além: as pessoas se desumanizaram e a violência, cada vez mais, domina o dia a dia. Não é só a violência física que mata, rouba e estupra. É a de gênero, de raça, de cor e de religião. Que mata a alma, rouba a esperança e estupra o futuro de uma nação.

Até entendo quem faz a conta da quantidade de prefeituras que cada partido elegeu. Mas, sinceramente, acho razoavelmente desimportante. Os partidos, em regra, têm dono e, salvo raras exceções, nenhuma identidade ideológica. É um agrupamento de pessoas com interesses muito mais próximos de vocação de negócio e de poder do que de preocupação com princípios que possam defini-los.

Lembro-me de que, certa vez, fui procurado por dois candidatos que estavam às portas de serem eleitos. Um ao governo de estado e outro a deputado federal. Ambos queriam que eu os apresentasse a um importante político de direita, influente e experiente. Ao propor a apresentação, esse político foi pragmático: “Estou viajando agora e só tenho tempo de receber um deles hoje. Chame o candidato a deputado”. Perplexo, perguntei se não seria melhor ele falar primeiro com o futuro governador. Ele me explicou, com a visão prática que chega a ser palpável, que, na divisão do bolo partidário — do dinheiro, da grana, do vil metal —, o deputado pesa mais na balança. E a gente discutindo quem ganhou mais prefeituras.

Ou seja, muito mais preocupante e relevante do que entender os indecifráveis caminhos que levam às composições partidárias na hora da disputa eleitoral, é compreender os estranhos caminhos por onde caminha a humanidade. Claro que é importante para os analistas políticos entender, ou tentar entender, por que o PT abriu mão de lançar candidatos em cidades emblemáticas — São Paulo, Recife, Rio de Janeiro, entre outras.

Porém, mais importante e fundamental é colocar na mesa para o cidadão comum, que vota, o peso das emendas, do orçamento secreto, da burla ao sistema de cotas para mulheres e negros, da força colossal do dinheiro do fundo partidário, ou seja, das questões práticas que efetivamente contam para a grande maioria dos políticos. Que foram e serão eleitos com as mãos na massa desse pragmatismo político partidário. Mas essa engrenagem foge, na maior parte das vezes, da capacidade de observação dos estudiosos políticos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – Foto: Reprodução

Existem outras preocupações mundanas que nos afligem e que, prazerosamente, nos dedicamos a palpitar como analistas de boteco. Dentro de uma normalidade, o Lula, não necessariamente o PT, vai ser reeleito. E com o apoio ostensivo ou envergonhado da grande maioria dos prefeitos e políticos que “derrotaram” o PT nas eleições municipais. O xadrez já mexe suas pedras. Mesmo a direita dita civilizada já avança com seus peões, bispos e torres, tudo dentro de um acordo que não passa por discussão partidária, por ideologia e, o pior, muitas vezes, a ética não entra no tabuleiro.

E aí nos restam angústias mundanas. Em 2030, com Lula fora do jogo — por já ter sido reeleito outra vez —, qual peça vai representar o humanismo e a decisão de fazer o enfrentamento da injustiça e da desigualdade social? O Lula teve e tem. Quem, no futuro, terá prestígio e estômago para dividir a mesa com as hienas?

Lembrando-nos do grande Eça de Queiroz:

“O orgulho é uma cerca de arame farpado que machuca quem está de ambos os lados.

É o coração que faz o caráter.”

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