Por Antônio Carlos de Almeida Castro, no Portal iG
Penso que a discussão acirrada que se dá, neste momento, em vários grupos, sobre se o PT perdeu as eleições municipais, tem seu valor para quem faz política partidária. Para a sociedade como um todo e para o cidadão, o buraco é mais embaixo. Independentemente de partido, o que se constata é que o mundo deu uma guinada para valores identificados com a direita e, até, para a extrema direita. As pessoas perderam, em boa parte, o sentido de solidariedade e de compaixão que ainda mantinham — ou mantêm? — certa esperança na utopia de um mundo mais igual e justo.
Hoje, ser professor é considerado, por parte dos “influenciadores do pensamento”, um retumbante fracasso. Se você não empreendeu e não acumulou bens e dinheiro, vai ser expelido, expulso do rol dos políticos que podem estar à frente de um projeto de governo. E as dificuldades vão muito além: as pessoas se desumanizaram e a violência, cada vez mais, domina o dia a dia. Não é só a violência física que mata, rouba e estupra. É a de gênero, de raça, de cor e de religião. Que mata a alma, rouba a esperança e estupra o futuro de uma nação.
Até entendo quem faz a conta da quantidade de prefeituras que cada partido elegeu. Mas, sinceramente, acho razoavelmente desimportante. Os partidos, em regra, têm dono e, salvo raras exceções, nenhuma identidade ideológica. É um agrupamento de pessoas com interesses muito mais próximos de vocação de negócio e de poder do que de preocupação com princípios que possam defini-los.
Lembro-me de que, certa vez, fui procurado por dois candidatos que estavam às portas de serem eleitos. Um ao governo de estado e outro a deputado federal. Ambos queriam que eu os apresentasse a um importante político de direita, influente e experiente. Ao propor a apresentação, esse político foi pragmático: “Estou viajando agora e só tenho tempo de receber um deles hoje. Chame o candidato a deputado”. Perplexo, perguntei se não seria melhor ele falar primeiro com o futuro governador. Ele me explicou, com a visão prática que chega a ser palpável, que, na divisão do bolo partidário — do dinheiro, da grana, do vil metal —, o deputado pesa mais na balança. E a gente discutindo quem ganhou mais prefeituras.
Ou seja, muito mais preocupante e relevante do que entender os indecifráveis caminhos que levam às composições partidárias na hora da disputa eleitoral, é compreender os estranhos caminhos por onde caminha a humanidade. Claro que é importante para os analistas políticos entender, ou tentar entender, por que o PT abriu mão de lançar candidatos em cidades emblemáticas — São Paulo, Recife, Rio de Janeiro, entre outras.
Porém, mais importante e fundamental é colocar na mesa para o cidadão comum, que vota, o peso das emendas, do orçamento secreto, da burla ao sistema de cotas para mulheres e negros, da força colossal do dinheiro do fundo partidário, ou seja, das questões práticas que efetivamente contam para a grande maioria dos políticos. Que foram e serão eleitos com as mãos na massa desse pragmatismo político partidário. Mas essa engrenagem foge, na maior parte das vezes, da capacidade de observação dos estudiosos políticos.
Existem outras preocupações mundanas que nos afligem e que, prazerosamente, nos dedicamos a palpitar como analistas de boteco. Dentro de uma normalidade, o Lula, não necessariamente o PT, vai ser reeleito. E com o apoio ostensivo ou envergonhado da grande maioria dos prefeitos e políticos que “derrotaram” o PT nas eleições municipais. O xadrez já mexe suas pedras. Mesmo a direita dita civilizada já avança com seus peões, bispos e torres, tudo dentro de um acordo que não passa por discussão partidária, por ideologia e, o pior, muitas vezes, a ética não entra no tabuleiro.
E aí nos restam angústias mundanas. Em 2030, com Lula fora do jogo — por já ter sido reeleito outra vez —, qual peça vai representar o humanismo e a decisão de fazer o enfrentamento da injustiça e da desigualdade social? O Lula teve e tem. Quem, no futuro, terá prestígio e estômago para dividir a mesa com as hienas?
Lembrando-nos do grande Eça de Queiroz:
“O orgulho é uma cerca de arame farpado que machuca quem está de ambos os lados.
…
É o coração que faz o caráter.”
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