A prisão de Garotinho, por suposto crime eleitoral, é suspeita. E o Doria? Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 16 de novembro de 2016 às 20:14
Garotinho
Garotinho preso

 

Em 1999, eu era repórter da TV Globo, recém-chegado ao Rio de Janeiro, numa das vezes em que entrevistei o governador Anthony Garotinho.

Era final de tarde, início da noite, depois que eu tinha concluído a reportagem sobre alguma medida do governo do Estado e enviado fita com imagens e a gravação do roteiro para a emissora.

Estávamos no gabinete do governador, no Palácio Guanabara.

Garotinho fez uma revelação:

Sabe por que meu antecessor (Marcelo Alencar, do PSDB) queria privatizar a Cedae (a empresa de saneamento do Rio, a Sabesp de lá)? Porque ela dá lucro, e muito. Diziam que ele dava prejuízo, mas não é verdade.

Disse e sacou do bolso o extrato da conta bancária da Cedae. Ela tinha mais 240 milhões de reais em caixa, o equivalente a 200 milhões de dólares.

Garotinho tinha assumido o governo do Estado poucos dias antes, e a privatização da Cedae, defendida na imprensa, era uma das armadilhas que ele tentava desmontar.

A declaração, acompanhada de prova, me chamou a atenção.

Pouco antes, eu tinha entrevistado para a revista Veja André Montoro, responsável pelo programa de privatização do governo do Estado de São Paulo, Mário Covas.

O filho do governador Franco Montoro falou da inevitabilidade da privatização da Eletropaulo – que seria vendida para uma empresa americana – e de todas as empresas públicas.

Eu perguntei se, já que era para privatizar a Eletropaulo, por que não seguir um modelo em que funcionários tivessem participação maior no controle das ações.

Ele disse que era inviável, já que, se houvesse participação maior do que a prevista – uma insignificância –, poderia haver uma transferência de renda que tornaria inviável a gestão da empresa.

Não fiquei convencido.

Mas era difícil trilhar caminho alternativo à receita que muitos chamavam de neoliberal ou da adoção de medidas do que passou a ser conhecido como Consenso de Washington.

Era a época do pensamento único.

O Mário Covas para quem André trabalhava havia defendido alguns anos antes um choque de capitalismo no Brasil, com um programa radical de privatizações.

Hoje já se sabe que o discurso foi uma exigência do Roberto Marinho para que a Globo o apoiasse na campanha a presidente, em 1989.

A história está contada em pelo menos dois livros: Notícias do Planalto, de Mario Sergio Conti, e O Quarto Poder, de Paulo Henrique Amorim.

Roberto Marinho, nas eleições de 1999, tinha dois candidatos:

Fernando Collor de Melo, “filho de um antigo sócio meu (o senador Arnon de Mello, a quem se uniu no passado para construir um prédio em Copacabana), que parecia um bom moço” – declaração que Roberto Marinho deu a mim quando o telefone da casa dele foi encontrado na agenda de PC Farias, tesoureiro de Collor).

O outro candidato apoiado por Roberto Marinho era Mário Covas.

Não conheço as razões que levaram à prisão de Garotinho nesta manhã. Nem tenho motivo para defendê-lo.

Mas faço este relato para dizer que a prisão de Garotinho, por suposto crime eleitoral, é suspeita.

João Doria, prefeito eleito de São Paulo, foi acusado por correligionários de comprar voto para garantir sua indicação para ser candidato, e nada aconteceu.

Nem julgamento houve.

Isso para ficar num único exemplo.

Garotinho nadou contra a corrente, no caso da privatização da Cedae, e se insurgiu contra a Globo em outros episódios.

É antológica a cena em que ele, candidato a governador, entrevistado ao vivo, disse na Globo que a Globo era acusada de sonegação de impostos.

Se a prisão de Garotinho atende a interesse público, ainda não se sabe. Mas não resta dúvida de que, no prédio da Rua Lopes Quintas, 303, Jardim Botânico, há muita gente interessada em que adversários como Garotinho apodreçam na cadeia.