
A crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos reposicionou o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, no centro da política externa do governo Lula (PT). Discreto desde o início do mandato, ele ganhou protagonismo ao conduzir negociações após Washington impor sobretaxa de 40% a produtos brasileiros e sanções a autoridades nacionais, justificando as medidas pelo tratamento dado pelo Judiciário ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O movimento tirou Vieira da sombra de Celso Amorim, assessor especial do Planalto e histórico formulador da diplomacia petista, que havia assumido papel de destaque em temas como a guerra na Ucrânia e a eleição venezuelana.
Segundo Guga Chacra, do jornal O Globo, interlocutores negam qualquer disputa entre os dois e afirmam que Vieira e Amorim exercem funções complementares. Mas reconhecem que o chanceler vive seu momento de maior visibilidade desde janeiro de 2023.
A virada ocorreu quando ele assumiu a linha de frente do diálogo com o secretário de Estado estadunidense, Marco Rubio, com quem já se reuniu duas vezes. Ao defender que as relações bilaterais não são “incondicionais”, Vieira passou a reafirmar publicamente a soberania do Brasil frente às pressões comerciais e políticas vindas de Washington.
Diplomatas avaliam que o ministro ganhou peso ao desempenhar a tarefa considerada mais complexa nesta crise: manter interlocução direta com Rubio, figura influente na gestão do presidente Donald Trump. A capacidade de transitar entre pressões externas e a agenda doméstica é vista como ativo raro.

Desde que assumiu o Itamaraty, Vieira participou de mais de 530 reuniões de alto nível, mantendo conversas com mais de 140 chanceleres enquanto conduzia temas do Brics, do G20 e negociações delicadas com Argentina, Venezuela, México, Colômbia e União Europeia. Na escalada da crise no Oriente Médio, liderou as articulações brasileiras no Conselho de Segurança da ONU.
Ex-embaixador em Washington, o chanceler mobilizou uma operação sigilosa para monitorar reações nos EUA, acionando contatos na embaixada brasileira e enviando assessores ao país.
Segundo auxiliares, ele combina atuação de “pé no acelerador” com capacidade de falar apenas quando necessário — perfil visto como essencial em um dos períodos mais turbulentos da diplomacia recente.
Ainda assim, Amorim segue influente como conselheiro direto de Lula. Diplomatas destacam que, se Vieira é um executor habilidoso, Amorim permanece como formulador estratégico. Rubens Ricupero resume a divisão de papéis: “o ministro Mauro Vieira ocupa um lugar que um assessor jamais poderia ter”.
Para a professora Flavia Loss, do FESPSP, a estrutura lembra o primeiro mandato de Lula, mas com diferenças claras: “em crises como a atual com os EUA, porém, ele [Amorim] não é o melhor ator, por ser identificado demais com o PT”. Ela afirma que Vieira ascendeu por circunstância: “foi o nome necessário”.
Já o diplomata Paulo Roberto de Almeida pondera que o chanceler ainda opera “na sombra de Amorim”, lembrando que decisões chave da política externa seguem concentradas no Planalto. Ele aponta a existência de “uma diplomacia presidencialista, personalista, com improvisações que comprometem a credibilidade do país”.