A receita do sucesso do futebol alemão

Atualizado em 19 de maio de 2013 às 22:21

Nada do que você está vendo aconteceu por sorte.

Os alemães trabalharam muito para chegar aonde estão no futebol
Os alemães trabalharam muito para chegar aonde estão no futebol

O texto abaixo foi publicado originalmente na edição em protuguês do site alemão DW.

Pela primeira vez, a Liga dos Campeões é decidida entre dois clubes alemães. “Fico contente. Pois uma coisa é certa: a Alemanha vai ganhar”, disse a chanceler Angela Merkel em sua página no Facebook, depois de Bayern de Munique e Borussia Dortmund humilharem nas semifinais Real Madrid e Barcelona, duas das melhores equipes do planeta.

Desde então, alguns insistem na tese de que a final do torneio marca a desbancada dos espanhóis no trono futebolístico e anuncia uma década de hegemonia alemã.

Há até quem trace um paralelo com o domínio de Berlim dentro da União Europeia nesses tempos de crise, citando num mesmo fôlego a frase de Merkel e a famosa tirada do ex-craque inglês Gary Lineker, para quem o futebol é um jogo em que 22 correm atrás de uma bola “e os alemães sempre vencem no final”.

Caso os alemães venham mesmo a ditar o ritmo de jogo dentro das quatro linhas como distribuem as cartas no continente, terá sido porque, mais uma vez, souberam ajustar as engrenagens certas num momento de crise.

A atual robustez e a invejada eficiência da economia alemã têm suas origens no conjunto de reformas nos sistemas trabalhista e previdenciário, promovido pelo governo do chanceler federal Gerhard Schröder entre 2003 e 2005.

Atravessando um período de estagnação econômica, com crescente desemprego e aumento das dívidas públicas, o país era apelidado de “homem doente da Europa”.

As reformas, ainda que controversas, diminuíram os custos de mão de obra e flexibilizaram o mercado de trabalho, contribuindo, assim, para a diminuição do desemprego e o aumento da competitividade da indústria. Hoje, a Alemanha exibe uma saúde financeira invejada pelos vizinhos.

Já no gramado, as mudanças vieram em consequência do desastre na Eurocopa de 2000, quando a seleção alemã foi obrigada a voltar para casa já na primeira fase do torneio, após amargar um último lugar em seu grupo, com apenas um empate e duas derrotas.

Na despedida do campeonato, o time comandado pelo técnico Erich Ribbeck sofreu um sonoro 3 a 0 contra o time reserva de Portugal.

Temendo um vexame nacional na Copa do Mundo realizada em casa seis anos depois, os alemães resolveram tratar do problema pela raiz, criando um programa nacional, inédito no mundo, de formação de jovens craques, que obrigou os 36 clubes profissionais alemães a fundarem escolinhas de futebol.

Para montar os centros de formação, a Federação Alemã de Futebol (DFB, na sigla alemã) enviou especialistas para visitar escolas de futebol francesas, holandesas e espanholas. Hoje, o país exibe uma rede de cerca de 390 centros de treinamento, ligados aos clubes, supervisionados pela DFB e distribuídos em diversas cidades alemãs.

Desde 2002, mais de meio milhão de euros foram investidos na formação de futuros jogadores. Um detalhe importante é que seleção dos talentos é feita explicitamente sem priorizar “qualidades alemãs”, como força e disciplina, mas observando sobretudo a habilidade das crianças e adolescentes no tratamento da bola.

Os resultados, logicamente, não surgiram de imediato. Mas cerca de dez anos depois do lançamento do programa uma geração de novos talentos cresceu e apareceu. A média de idade da Bundesliga caiu, a cota de jogadores alemães no campeonato subiu. Enquanto no início da década passada a percentagem de atletas vindos das divisões de base beirava os 50%, dez anos depois essa taxa chegava a quase 60% na Bundesliga e cerca de 70% na segunda divisão.

A Bundesliga de hoje empolga a torcida com jovens saídos dessas fábricas de talentos, como Marco Reus, de 23 anos, do Borussia Dortmund; André Schürrle, de 22, do Bayer Leverkusen; Thomas Müller, de 23, do Bayern de Munique; e Mario Götze, de 20 anos, ainda no Borussia Dortmund, mas já acertado com o Bayern.

No exterior, o trabalho de base do futebol alemão também está presente nos gramados, como comprovam os casos de Mesut Özil e Sami Khedira, contratados do Real Madrid.

Estádios cheios são parte da receita
Estádios cheios são parte da receita

“Internacionalmente, o modelo alemão já vem sendo reconhecido como um exemplo. A Uefa até o premiou como o melhor na Europa”, diz Reinhard Rauball, presidente da Liga Alemã de Futebol (DFL), em texto escrito para uma publicação da entidade celebrando os dez anos do modelo alemão de incentivo a novos talentos.

Os investimentos produziram uma nova geração de campeões, como na conquista inédita do Campeonato Europeu de Futebol Sub-21, em 2009, e a vitória no Campeonato Europeu Sub-17, além de dois vice-campeonatos nesta competição em 2011 e 2012.

Também não deve ser esquecida a participação de um total de sete times alemães nas duas principais competições europeias de ponta, a Liga Europa e Liga dos Campeões. Nesta, durante as semifinais, estiveram em campo 16 novos talentos saídos das categorias de base alemãs: dez no Borussia, quatro no Bayern e dois no Real Madrid.

O modelo econômico e a estrutura dos clubes também ajudam a explicar a boa fase dos alemães. Segundo estudo da empresa de consultoria Deloitte, a Bundesliga é o campeonato nacional mais rentável da Europa, tendo obtido lucro de 171 milhões de euros na temporada 2010/11. Também tem a maior receita comercial entre os chamados Cinco Grandes, as maiores ligas de futebol europeias.

A estrutura do futebol alemã também incentiva a participação dos torcedores como poucas ligas nacionais do planeta. O estatuto da DFL obriga que os clubes reservem aos sócios pelo menos 51% dos votos nos seus grêmios decisórios.

A regra, destinada a evitar que grandes investidores ou magnatas virem donos do time, como ocorre na Inglaterra, tem poucas exceções, como no caso das tradicionais parcerias entre a Volkswagen e o time do Wolfsburg e da farmacêutica Bayer com o Leverkusen.

Os ingressos para as partidas também estão entre os mais baratos da Europa, custando, em média pouco mais de 22 euros. Na Inglaterra e na Espanha, os torcedores pagam, em média, quase o dobro para entrar nos estádios.

O estímulo à torcida se reflete em estádios sempre cheios. Por consequência, a média de público da Bundesliga é a maior do mundo na modalidade, com 45 mil torcedores por jogo e mais de 93% de taxa de ocupação dos estádios.

Somente o campeonato de futebol americano dos EUA, a National Football League, tem média de maior de pagantes. Mesmo a segunda divisão da Bundesliga tem plateia maior do que o Campeonato Brasileiro, segundo estudo da brasileira Pluri Consultoria.

Um capítulo à parte é a distribuição dos direitos televisivos, que ocorre de forma mais equitativa na Alemanha que em algumas grandes ligas europeias.

A Bundesliga administra os direitos de forma central, repartindo os rendimentos entre os clubes profissionais, possibilitando que os times medianos ou da zona de rebaixamento também participem de forma justa. Clubes grandes, como Bayern de Munique ou Borussia, recebem mais do que os menores, mas estes não ficam sem ganhar uma fatia do bolo.

Na Espanha, por exemplo, cada time negocia isoladamente os direitos de televisionamento das partidas, fazendo com que os clubes de ponta embolsem grandes montantes, deixando apenas migalhas para as agremiações menos populares.

Real Madrid e Barcelona cobraram 140 milhões de euros na temporada passada. O terceiro lugar, o Atlético de Madri, ganhou 42 milhões. Já as 12 equipes pior colocadas no campeonato espanhol tiveram que se contentar com valores correspondentes a cerca de 10% dos destinados a Real e Barcelona.

Na Alemanha, a diferença entre ricos e pobres não é tão gritante. O atual campeão, Bayern, recebeu 25,8 milhões de euros na temporada passada. Já o lanterna, Greuther Fürth, ficou com 12,9 milhões de euros. O que não impediu o rebaixamento do time, mas ajuda a garantir o mais importante: a geração de uma nova safra de craques.