“A relação de juízes e procuradores no Brasil não é a bagunça de Moro e procuradores”, diz promotor há 21 anos no RJ

Atualizado em 21 de junho de 2019 às 20:36
Sérgio Moro (Evaristo Sá/AFP)

POR GUSTAVO CAMPOS DE OLIVEIRA, promotor de Justiça do MP do RJ

É preciso acrescentar algo sobre a relação entre juízes e procuradores. 

Todos sabem bem que o juiz é agente do Estado, assim como o promotor/procurador e o próprio defensor público, e que sua posição é diferenciada, isenta, eqüidistante…

Bem, isso é platitude.  

O que poucos conhecem são os detalhes da rotina entre promotores e juízes: sim, é absolutamente normal juízes e promotores (inclusive quando estes atuam na condição de parte acusadora) aproximarem-se bastante, a ponto de baterem papo ao vivo ou por meio de aplicativos, e eventualmente trocarem impressões sobre os casos em julgamento. 

Entretanto, não é “bagunça”.

Paira acima dessa relação amigável uma aguda consciência do papel de cada um, e não falo de uma linha de separação, mas de um abismo entre as institucionalidades, e de um respeito recíproco entre elas, sempre presente.  

Em 21 anos de experiência no Ministério Público, trabalhei com dezenas de juízes no âmbito do Estado do RJ e posso testemunhar que o nível de seriedade na magistratura é muito grande.

Simplesmente não tenho lembranças de nenhum juiz se associando à acusação de maneira aberta, despindo-se de sua neutralidade escancaradamente.  

Ou seja, na minha experiência nunca vi nada parecido com o que o Intercept vem revelando. 

Saliento um detalhe bem importante para se ter a noção exata da preciosidade que caracteriza a imparcialidade judicial, pois mesmo a “parcialidade” do promotor tem limites. 

O promotor não atua cegamente pela condenação, pois não há sentido em botar inocente na cadeia. 

A atuação do promotor maduro e consciente é no sentido de proteger a sociedade sem qualquer paixão, é um trabalho técnico, absolutamente respeitoso com o réu, não há nada de pessoal nisso. 

Portanto, estamos sempre atentos aos argumentos defensivos e, ao final da ação criminal, se não há convencimento íntimo pela culpa, podemos e DEVEMOS pedir a absolvição. 

Não é raro sentirmos satisfação em “perder” uma ação criminal quando demonstrada cabalmente a inocência do réu. 

Não somos máquinas de triturar gente, muito menos filtro político para a sociedade.

 Sobre a Lava Jato, todo aquele teatro midiático, coercitivas indevidas, o exagero daquele powerpoint, vazamentos pirotécnicos etc — ora, tudo isso já indicava uma atuação equivocada dos promotores e juízes. 

Inexperientes inebriados com os holofotes ou inacreditavelmente cruéis? Quem irá saber… 

Embora outros partidos e bandidos ricos fossem pegos, estava ali claríssimo, de acordo com o calendário eleitoral inclusive, que o foco principal era inviabilizar o PT, o Lula – e que os grandes tucanos deveriam ser poupados. 

Pois bem, houve importantes resultados? Sim, não há dúvidas, muito expressivos.  

Mas valeu a pena forçar essa barra? O repuxo está dado e parece que levamos um coice da História.  

Em ruínas, nossa jovem democracia virou uma piada internacional.  

O resumo da lição me perece: “Heróicos juízes e promotores, menos, bem menos da próxima vez, por favor.”