A retórica do ódio. Por Florestan Fernandes Jr.

Atualizado em 20 de maio de 2020 às 20:50

Publicado no Portal Democracia

Ciro Gomes. Foto: Mauro Pimentel/AFP

Por Florestan Fernandes Jr.

“Sabe quem inventou o gabinete do ódio? Foi o Lula. Pergunta o que é o DCM, o que é o 247… Tudo dinheiro sujo, tudo roubalheira, tudo jornalista bandido. Formado sabe onde? Nas organizações Globo e na Veja. Gente que aprendeu a fazer molecagem na direita mais bandida e que, agora, por dinheiro, está prestando serviço à esquerda bandida que o PT representa.” Estas acusações foram disparadas pela metralhadora giratória de Ciro Gomes no dia 18 de maio, em um programa da TV Democracia. No arroubo em igualar o ex-presidente Lula a Bolsonaro, Ciro fez declarações, no mínimo, ofensivas e que ferem um dos direitos mais preciosos dos jornalistas, a liberdade de imprensa e de expressão.

Conheço de perto os sites progressistas brasileiros e sei bem das dificuldades financeiras dos colegas que abriram mão de altos salários em grandes empresas de comunicação para realizarem o sonho de fazer um jornalismo independente. Boa parte deles sobrevive com parcas contribuições espontâneas feitas por seus leitores. E nem poderia ser diferente, já que os grandes anunciantes privados e governamentais destinam suas verbas publicitárias para a mídia tradicional, que detém as maiores audiências nacionais.

Faço parte do corpo editorial do Brasil 247 ao lado de grandes brasileiros como o economista e ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, a advogada e professora da UFRJ, Carol Proner, do diplomata Celso Amorim e do sociólogo Jessé Souza, professor visitante da Universidade Sorbonne, em Paris. São pessoas íntegras e honestas, que socializam seus conhecimentos e elaboram propostas para a ampliação da Justiça Social e da redução da pobreza em nosso país. Trabalhei no passado ao lado de boa parte dos colegas jornalistas do Brasil 247 em importantes redações de São Paulo. Nos anos 70 e 80, enfrentamos juntos a censura e a repressão policial-militar dos anos de chumbo. Época em que muitos colegas jornalistas foram presos e torturados até a morte, como foi o caso de Vladimir Herzog, diretor de jornalismo da TV Cultura.

Participei da entrevista em que Ciro comparou os sites progressistas com o gabinete do ódio do fascismo. O mal-estar foi geral, principalmente entre os jornalistas mais rodados como eu, o Fábio Pannunzio, o Weiller Diniz e o Milton Blay. Por alguns momentos voltei ao passado, me lembrei das bombas nas bancas de jornais que vendiam tabloides de esquerda, dos jornais recolhidos ainda nas gráficas pela policia política. Era um jornalismo militante, de resistência em que a ditadura militar fez de tudo para calar.

Nos primeiros anos da faculdade escrevi meu primeiro artigo. Ele foi publicado num dos principais tabloides, o jornal “Opinião”. Naquela época meu pai vivia no exílio no Canadá. Em uma carta ele conta que como fazia toda a semana, comprou em uma banca em Toronto publicações do Brasil. Como o dia estava bonito, sentou em um banco de uma praça e ao abrir o jornal Opinião deu de cara com meu texto: A Burguesia Com Pressa. Disse que ao ler o texto teve a sensação de estar ao meu lado. Que as lágrimas escorreram pelo rosto na emoção forte dos que foram obrigados a viver longe da família e do país. Preocupante que pessoas do campo progressista tenham se esquecido destas histórias. Espero que Ciro Gomes reflita sobre suas afirmações, elas não condizem com sua trajetória de vida.