A roleta-russa das eleições na Câmara. Por Gustavo Conde

Atualizado em 25 de dezembro de 2020 às 19:48

Por Gustavo Conde

Quando a gente vê intelectuais incensados pela ‘esquerda branca lacradora’ defendendo a articulação na Câmara em torno de Rodrigo Maia, a gente tem a certeza absoluta de que o erro subscrito nessa “frente ampla legislativa” é de proporções monumentais.

Intelectual falando de articulação política a essa altura do campeonato é a senha definitiva para se ter a certeza de que caminho NÃO seguir.
Não deixa de ser um farol, ainda que um farol ao contrário.

As marcas da precarização do pensamento domesticado pelo narcisismo acadêmico não são poucas. A estrutura da argumentação deles todos, por exemplo, é a mesma: “eu pensava diferente, mas agora sei que é o melhor caminho”.

É a chamada técnica retórica de antecipação: eles sabem que a realidade é outra, mas invocam a muleta sintática forjar ponderação e humildade.
Lamento dizer: esse discurso não para em pé.

Se no futuro, algum pesquisador em linguística quiser um exemplo definitivo sobre o que venha a ser um discurso “rarefeito”, basta selecionar a família de ‘ensaios políticos’ – sic – produzida pelos analistas de conjuntura com pós-doc sobre as eleições na Câmara no Brasil de 2020.

Essa massa discursiva, no entanto, é pedagógica, se lida com o devido distanciamento sanitário. Ela escancara o acovardamento estrutural que nos domina desde 2015: explicações intermináveis e assépticas sobre o esgoto do submundo político, preparando e justificando o terreno para mais uma série de derrotas.

Não raro, encontra-se nessas pérolas, a seguinte construção: “política não é para os fracos (portanto, se você não gosta do acordo com Rodrigo Maia, você é um fraco)”. Típico da prepotência academicista – e, por tabela, uma confissão de fraqueza autoespelhada no discurso.

Pergunta: até quanto a esquerda vai ficar se explicando?
Pergunta 2: até quando vamos insistir em habitar o Olimpo das argumentações sofisticadas e fracassadas deixando para a direita o chão da fábrica dos enunciados codificáveis pelo povo trabalhador?

Alguém aqui acha que a população trabalhadora brasileira está interessada nas eleições na Câmara – quanto mais nas explicações fajutas sobre a necessidade de aliança com partidos de extrema direita?

Eis a esquerda flertando com o suicídio romântico da eterna conciliação de classe.

Detalhe: não vi mulheres analistas defendendo a frente ampla de Rodrigo Maia. Não vi negros analistas, não vi indígenas analistas, não vi analistas LGBTQ. Mas, é claro: não cabe trazer as pautas identitárias para essa discussão, não é mesmo? Homem branco e velho – mesmo de esquerda – tem pânico ao contraditório embutido na democratização do direito à fala.

É estrutural e a gente perdoa. Perdoa? Perdoa o escambau!

Permitam-me dizer o que eu, do alto da minha branquitude escrota (mas que combato todos os dias), penso sobre a frente ampla legislativa – só para sair um pouco do tema técnico da precarização do discurso intelectualizado sobre a questão.

Estamos diante de uma roleta-russa. Ninguém, absolutamente ninguém, sabe o que vai acontecer ali. Quem disser que sabe ou que prognostica x ou y, mente.

Vencerá esse embate quem tumultuar mais, quem desorganizar mais os bastidores fisiológicos de todos os 513 parlamentares. Calculem o que vai acontecer no embate particular Maia versus Bolsonaro (quem tem mais a oferecer aos deputados?).

Se é para admitir que o legislativo é um esgoto, que se admita com rigor metodológico.

E, nessa catástrofe de arrasto, quem vai sair perdendo, levando a culpa da derrota e ainda tendo que se explicar?
A resposta já está cansada de velha.

Digo mais (para concluir): os mesmos intelectuais que desfilam em sua passarela digital particular justificando a frente Rodrigo Maia serão os primeiros a massacrarem o PT pela lambança das articulações “insoberanas”.

As frases feitas já estão no prelo da mediocridade pós-eleições: “PT não soube se explicar”; “petistas atrapalharam Rodrigo Maia no convencimento a parlamentares”, “falta de unidade da esquerda prejudicou votação”; “antipetismo no Congresso deu vitória a candidato de Bolsonaro”, “Maia vence, mas racha impede mesa diretora a PT”.

A única coisa passível de previsão neste processo é mais uma derrota certa da democracia, ao contrário do que os intelectuais de grife e alas mais experientes dos partidos de esquerda vêm advogando.

“Impedir Bolsonaro” virou um mantra esvaziado de sentido. Usa-se qualquer argumento para “impedir Bolsonaro”. Impedir Bolsonaro é, para ser tautológico, abrir o processo de impeachment.

Há quem diga que, nesse bastidor de eleições na Câmara, a esquerda está sendo malandra, esperta, inteligente. Que estar incrustada no poder da casa pode lhe garantir sobrevida nos freios a Bolsonaro, ainda que a agenda liberal de Guedes seja irmã siamesa dos desígnios de Maia.

Maia, por sua vez, já indicou, na base do ‘dedazo’, o emedebista Baleia Rossi para disputar pelo ‘bloco’. Este irá se reunir com a “esquerda” na próxima segunda-feira, dia 28. O que se sucederá desta reunião, ninguém sabe.

Só para destacar o seguinte: nestas eleições na Câmara, é mais prudente observar do que se engajar. Análises engajadas – nesse contexto – mais parecem o rascunho do mapa do inferno.

Observemos, portanto. Até o dia 7 de fevereiro, muita – mas muita mesmo – água vai rolar (e, nesse caminho, muitos morrerão afogados).