A saga dos Perrellas napolitanos

Atualizado em 24 de outubro de 2014 às 16:00
A polícia na cena do assassinato de um membro do clã Perrella, em Nápoles
A polícia na cena do assassinato de um membro do clã Perrella, em Nápoles

“Dotto’, per noi la monnezza è oro.”

“O lixo vale ouro, doutor!”

“A droga já era. Meu negócio agora é outro. O lixo rende mais e ainda por cima é menos arriscado. Pra gente ele vale ouro, doutor!”

Foi assim que Nunzio Perrella – capo do bairro napolitano Traiano – começou a colaborar com a justiça italiana em 1992. Foi então que o procurador Franco Roberti notou pela primeira vez que a Camorra tinha um negócio novo, bilionário, perigoso e muito poderoso: os contratos públicos.

O processo resultante – recordou Roberti, então chefe anticamorra do MP de Nápoles ao jornal La Repubblica – revelou como as gangues lucravam com a sujeira.

“Já estava tudo lá: empresas mafiosas disfarçadas, gestores públicos corrompidos pelas propinas, controles inexistentes, terrenos contaminados. Um sinal de alarme que não foi percebido pela política.”

É curiosa a trajetória do clã napolitano que leva o nome da família do senador Zezé Perrella em cuja fazenda foi apreendido um helicóptero da empresa de seu filho contendo uma carga de 450 kg de cocaína.

Para quem segue os Perrellas, a apreensão do helicóptero não é nenhuma surpresa. Não se trata de uma condenação prematura. Simplesmente eles não possuem, digamos assim, um cadastro exemplar, para usar um termo pertinente aos cartórios.

O jornal mineiro Hoje em Dia, por exemplo, vem publicando denúncias contra Perrella há vários anos.

Elas revelam suspeitas do Ministério Público mineiro de que há 16 empresas registradas em nome de 34 pessoas – entre amigos e parentes dos Perrellas – fornecendo produtos e serviços de alimentação a órgãos públicos de todos os níveis de governo .

Como a Cristalfrigo, por exemplo, que se apresenta no Facebook como  sendo a mesma empresa fundada pelos imigrantes italianos,  e exibe até fotos originais da família e das instalações como prova.

Para não deixar dúvida, o jornal acrescenta que a empresa já pertenceu a Zezé e Alvimar Perrella e que o atual sócio Paulo César de Faria integrou a sociedade desde a aquisição pelos irmãos Perrella em 1988.

Segundo o Hoje em Dia, as empresas GN, pertencente a Gilmar Perrella, o irmão mais velho dos Perrellas, e  Stillus, de Alvimar Perrella, o caçula, venceram licitações dos governos federal, mineiro e municipais no valor de 77 milhões entre 2077 e 2011.

O jornal analisou 27 contratos com a participação da GN e da Stillus. As empresas concorrentes são sempre as mesmas, incluída a Cristalfrigo. A maioria tem donos e endereços em comum.

A Stillus tem negócios também na Bahia, onde um contrato de 4,2 milhões para o fornecimento de alimentação ao Hospital Geral Clériston de Andrade foi questionado pelo Tribunal de Contas do estado.

Em Belo Horizonte as suspeitas recaem até sobre o fornecimento de lanches para os vereadores. Isso é o que se chama provar do próprio veneno.

Além de vereadores, as empresas dos irmãos Perrellas alimentam presidiários em Minas e São Paulo.

A Stillus está bem instalada até na cinematográfica sede do governo – projetada por Niemeyer –  onde funciona o gerador do choque de gestão mineiro.

A prefeitura de Montes Claros – no norte de Minas – só perde para o governo de Minas em volume de compras no estado. Em 2009, somente dois contratos com a secretaria de educação do município renderam 19,2 milhões à Stillus.

A GN é grande fornecedora de carne dos ministérios da Fazenda, da Marinha, Exército e Aeronáutica.

O Hoje em Dia denomina a família como clã. Exatamente como seus homônimos napolitanos.

Os Perrellas do bairro napolitano que homenageia Traiano, o imperador romano, entraram em decadência desde que o clã perdeu a guerra contra os rivais Puccinelli, após uma disputa pelas jóias roubadas por ambos na casa do cônsul belga em Nápoles.

Com a prisão e o arrependimento dos irmãos Nunzio e Mario, os Perrellas de lá declinaram.

Os Perrellas de cá, ao contrário, detêm poder até no senado da República. De onde Silvio Berlusconi – outro senador poderoso – levou mais de 20 anos para ser condenado e expulso.

Eles juram inocência, não se arrependeram de nada nem estão dispostos a colaborar com a Justiça.

Sabemos de onde o helicóptero deles partiu, onde fez escala, onde aterrisou e o que continha.

Não sabemos para onde a carga ia, nem quem estava esperando por ela.

Provavelmente, não era mais nenhum Perrella.

Vale a pena lembrar a frase do Perrella italiano: “La munnezza è oro, dottò!”