A solidão do blogueiro em meio à guerra contra o próprio país. Por Ricardo Kotscho

Atualizado em 8 de fevereiro de 2020 às 20:00
O presidente Jair Bolsonaro participa de café da manhã com empresários indianos, em Nova Délhi
Imagem: Alan Santos/PR

Publicado originalmente no Balaio do Kotscho:

POR RICARDO KOTSCHO

“Japonês é uma raça superior e nós somos inferiores” (Jair Bolsonaro, presidente da República do Brasil).

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Escrever todo dia não é fácil, mas ficar sem escrever é muito pior.

Para mim, o dia só começa quando termino de atualizar este blog, como faço há 11 anos e meio, de domingo a domingo.

Assunto não falta, desde a posse do capitão enlouquecido, que resolveu declarar guerra ao seu próprio país, um fato inédito na história da humanidade.

Difícil é escolher uma entre tantas barbaridades ditas e consumadas pelo bolsonarismo em marcha rumo à destruição do país.

Como trabalho sozinho em casa, não tenho a quem pedir ajuda, e nem adiantaria nada. Só tornaria mais difícil ainda a escolha do assunto, já que cada um me daria várias sugestões, tamanho é o repertório de sandices proferidas todos os dias pelos donos do poder.

Hitler e Mussolini, seus êmulos, declararam guerra ao mundo e tinham pelo menos um ponto em comum: eram nacionalistas, amavam seus povos acima de tudo.

Não passa um dia sem sermos assombrados por decisões tomadas pelo governo, nenhuma delas a favor do Brasil.

Toda guerra tem que ter pelo menos dois lados, pois não?, já nos ensinava o comediante português Raul Solnado (ver no Google) no século passado.

Mas aqui tem um lado só: é a guerra do governo contra o resto, ou seja, 210 milhões de habitantes, incluídos aí também os devotos do governo, que pagarão a conta, com exceção de banqueiros, militares, magistrados, milícias, bispos, pastores e empresários da Fiesp de Paulo Skaf, uma casta minúscula que se deu bem com o chefe do Posto Ipiranga.

O resto só atrapalha. Se não fossem o povo e a imprensa não vendida, que só atrapalham, o Brasil já seria o Japão imaginado por Bolsonaro e Alexandre Garcia, sem partidos de oposição, sem sindicatos, sem índios, sem estudantes e professores, sem livros, sem negros, sem cultura e sem mulheres independentes.

O país seria bem menor, é verdade. Talvez do tamanho do Japão, para que o capitão e seus generais de pijama pudessem implantar aqui uma ditadura tropical como nem Gabriel Garcia Márquez poderia imaginar em seus delírios.

Uma vez derrotado o povo brasileiro, os generais do capitão já preparam vôos mais altos e procuram um inimigo externo.

Esta semana, no relatório “Cenários de Defesa 2040” preparado pela Escola Superior de Guerra, a França é a maior ameaça externa do Brasil nos próximos 20 anos.

A Embaixada da França em Brasília achou graça:

“Forças Armadas de todos os países realizam frequentemente esse tipo de exercício de análise de cenários. Entretanto, nós saudamos a imaginação sem limites dos autores desse relatório”.

Daqui a 20 anos, os autores deste relatório provavelmente já deverão estar todos mortos. Mas, se o Brasil sobreviver até lá, o que pode acontecer?

Os sucessores de Bolsonaro declararão guerra à França para defender a Amazônia que nem existirá mais?

E se a gente ganhar a guerra? Vamos fazer o que com a pobre França? Trocar pelo Japão?

É tudo muito louco, mas é tudo real, não é ficção. Melhor nem pensar nessas coisas.

Tem dias em que a solidão do blogueiro dói mais, quando vê que essas bobagens ainda são levadas a sério, sem ninguém tomar uma providência para abrir logo as portas do hospício, trancar e jogar a chave fora.

Vida que segue.