
Quiseram os deuses que Pepe Mujica, o presidente-filósofo, morresse hoje, aos 89 anos, no mesmo dia do depoimento de uma “influenciadora” picareta a uma CPI natimorta. A glória e a miséria do ser humano.
Em suas últimas entrevistas, já enfrentando os efeitos debilitantes de um tumor no esôfago, Mujica refletia sobre sua vida e o futuro da humanidade com uma clareza única. Exercia a arte de morrer — ars moriendi.
“O câncer no esôfago está prestes a se espalhar para o meu fígado. Não posso parar isso. Por quê? Porque sou um homem velho e tenho duas doenças crônicas. Meu corpo já não aguenta cirurgias nem tratamentos”, declarou ao semanário uruguaio Busqueda.
“Meu ciclo acabou. Claramente, estou indo em direção à morte. O guerreiro tem direito ao seu descanso. Que me deixem em paz. Que não me peçam mais entrevistas ou qualquer coisa”.
Contou que iniciara o processo para ser enterrado no jardim de sua chácara, ao lado de sua cadela. “Lá fora, há uma grande sequoia. A Manuela está enterrada lá. Quero fazer os papéis para que me enterrem lá também. E é isso”, disse ele.
“Estou perdendo a vida porque é minha hora de partir”, disse ele com serenidade. Para Mujica, a vida era uma preciosidade, mas também uma responsabilidade, e a morte, uma consequência inevitável, que ele não temia, mas aceitava com a mesma dignidade com que viveu.
Em suas palavras, ressoam as lições de Sêneca, que já ensinava sobre a necessidade de viver em sintonia com a inevitabilidade da natureza, não para se resignar, mas para saber viver com plenitude.
Mujica nunca se esquivou de confrontar o que muitos preferem ignorar: a transitoriedade da existência humana. Ele sempre foi um defensor da simplicidade e da austeridade, e esse espírito se reflete na forma como abordou sua doença.
“Por que tanto lixo? Por que você tem que trocar de carro? Trocar a geladeira? Só existe uma vida e ela acaba”, questionou, mais uma vez desafiando a lógica consumista que domina o mundo moderno. Para ele, a verdadeira liberdade era escapar das necessidades impostas pelo mercado, que rouba a vida das pessoas, tornando-as prisioneiras de seus próprios desejos insaciáveis.
Ele lamentava o destino da humanidade, mas, paradoxalmente, também via uma oportunidade para a mudança, uma chance de reverter a cultura consumista que domina o mundo. “O mercado é muito forte, mas ele nos tornou compradores vorazes. Vivemos para comprar. Trabalhamos para comprar. E vivemos para pagar”, falou.
Essa visão crítica do capitalismo se enrodilhava com seu conceito de uma vida mais rica em tempo e em valores humanos. Como ele mesmo concluiu, “você é livre quando escapa da lei da necessidade — quando gasta o tempo da sua vida com o que deseja”.
“Lute pela felicidade, não apenas pela riqueza”, ele nos instava. Em sua casa simples, rodeado de livros e potes de vegetais, Mujica vivia a vida que pregava: longe das distrações e mais próxima daquilo que realmente importa.
Ele não só ensinou a arte de morrer, mas também a arte de viver plenamente. No final das contas, é a mesma coisa. O resto é silêncio.