A urna eletrônica brasileira é um caso para o Procon

Atualizado em 4 de novembro de 2014 às 12:54

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Você faria depósitos num caixa eletrônico que não fornecesse recibos?

Pois é exatamente isso que você faz ao votar no Brasil.

O pior resultado possível numa eleição brasileira é o empate.

Por que não há como desempatar.

As urnas eletrônicas não emitem recibo.

Isso só é possível no Brasil, e por um motivo muito simples. A justiça eleitoral concentra poderes demais.

Além dos poderes judiciários, ela detém poderes legislativos e executivos.

Os legislativos incluem definir normas sobre a produção e instalação de software na urnas eletrônicas.

Os executivos permitem que ela compre, instale e opere as máquinas.

E os judiciários significam que é ela, a própria justiça, quem vai julgar tudo isso.

Se, depois de ter instalado os códigos nas máquinas que ela escolheu, houver alguma suspeita de que alguma coisa não funcionou como devia, quem vai decidir se houve mesmo algum problema é ela própria.

É por isso, antes de tudo, que ela anuncia aos quatro ventos que nunca houve fraudes no voto eletrônico.

Nunca houve por que é muito difícil “comprovar sem comprovantes” e porque ninguém vai condenar a si próprio.

O princípio da autodefesa não permite que alguém acuse a si próprio.

O PDT e o PCdoB são os únicos partidos que se preocupam com a segurança das urnas eletrônicas.

Os demais fingem que acreditam, pois todos morrem de medo da justiça eleitoral.

O PDT, que se dedica à fiscalização do voto eletrônico desde o caso da Proconsult contra Brizola, comunicou as vulnerabilidades encontradas pelos técnicos do partido nos programas do TSE.

A propaganda do TSE, porém, sempre disse que não há vulnerabilidade alguma.

Que as urnas seriam “100% seguras”.

A ciência não admite a possibilidade da existência de máquinas perfeitas.

Só quem defende essa tese é a Justiça Eleitoral brasileira.

A mesma propaganda compara as urnas eletrônicas aos cofres de segurança bancária.

A semelhança com o sistema bancário não para por ai.

A Procomp – empresa brasileira que produziu as primeiras urnas eletrônicas – foi adquirida pela americana Diebold, que as levou para os EUA após o fiasco das eleições americanas de 2000, quando Bush venceu Al Gore por uma diferença insignificante de votos na Flórida, governada por seu irmão Jef..

Naquela ocasião o empate já despontava como um problema também nos EUA.

A Diebold também é uma empresa de segurança bancária, que começou produzindo cofres de banco, exatamente como o da propaganda do TSE. Depois passou a fabricar caixas eletrônicos, antes de produzir as urnas.

Em outubro do ano passado, a empresa reconheceu perante a Justiça que corrompeu funcionários públicos na China e Indonésia e falsificou documentos na Rússia para vender caixas eletrônicos nesse países. Foi condenada a pagar multas num total de 48 milhões de dólares.

Steven Dettelbach, promotor público do distrito norte de Ohio, acusou a empresa de “adotar um padrão criminal global”.

Foi essa empresa que adaptou as urnas brasileiras à legislação americana e hoje está atolada em muitos outros processos na Justiça americana. A começar em seu próprio estado – Ohio – onde foi acusada num dos maiores processos de fraude nas eleições americanas.

Ohio foi considerado a Flórida da reeleição de Bush de 2004. O então diretor da Diebold promoveu uma campanha de doações à campanha do republicano e prometeu entregar os votos do estado ao candidato do partido.

Nos EUA, a justiça apenas julga os processos eleitorais.

Ela não projeta, fabrica nem encomenda urnas eletrônicas, nem escreve códigos lógicos de programação.

No Brasil é fácil, por que a responsabilidade sobre o desempenho das urnas eletrônicas não é do fabricante.

É da própria justiça.

Uma urna eletrônica brazuca possui cerca de 80 mil programas instalados durante um processo de compilação, assinatura e lacração que, neste ano, começou em 26 de agosto e terminou em 4 e setembro.

Isso tudo tem que ser carregado nas urnas.

A propaganda diz que elas não têm conexão com a internet e, portanto, não podem ser invadidas.

Isso é uma meia verdade. Ou uma meia mentira.

Elas não podem ser invadidas pela internet, mas recebem cargas de programas por meios físicos – disquetes, pen-drives, CDs que são carregados conectados à internet.

É exatamente a vulnerabilidade desses meios que o PDT está apontando.

Por exemplo:

O TSE garante que as urnas são programadas para funcionar exclusivamente no horário da votação. Só que ele mesmo prepara um pen-drive que permite alterar isso. Ou seja, alguém poderia usar esse pen-drive para inserir votos na urna antes da votação. E ele não é único que é utilizado. Além do pen-drive de ajuste da hora, o TSE contrata técnicos temporários durante as eleições, que têm acesso às urnas e às mídias de carga e de resultado.

Durante a própria cerimônia de gravação das mídias de carga dos programas que vão rodar na urnas a transmissão é feita pela internet. Nada impede que um ataque seja realizado nesse momento.

Essa cerimônia é meramente protocolar, com a presença de representantes da OAB e do MPF que assinam diversos lacres sem ter a mínima ideia do que está efetivamente gravado nos instrumentos lacrados.

O mesmo processo se repete para a gravação das mídias em todas as zonas eleitorais do país.

A distribuição e instalação das urnas no dia da votação é feita por caminhões, peruas e barcos que saracoteiam pra cima e pra baixo entre o cartório eleitoral de cada zona e os locais de votação. E os disquetes contendo a relação de votos fazem o caminho de volta nas mãos dos mesários até chegar aos cartórios.

Nada parecido com os cofres invioláveis da propaganda.

O PDT apresenta evidências de que, em 2012, um programa adulterado conseguiu ser introduzido na 157ª zona eleitoral de Londrina.

Existem dezenas de casos de ataques ao sistema registrados, todos devidamente rejeitados pela Justiça Eleitoral.

A lista de vulnerabilidades também é extensa.

A possibilidade de fraude mais comum é a do mesário que, na ausência de fiscalização, habilita o voto dos eleitores ausentes no final do horário de votação.

Para evita-la, o TSE vai instalar leitores de impressão digital nas urnas. Mas a habilitação do eleitor pela digitação do seu código de identificação continuará sendo possível, pois os leitores biométricos, assim como as urnas, também podem falhar.

Testes realizados em 63 cidades atingiram um índice de 7% de erros de identificação “em média”. Em alguns municípios de Alagoas esse índice variou de 45 a 65%, segundo estudo do professor Pedro de Rezende, da Universidade de Brasília.

Se você está tão preocupado quanto eu, não adianta reclamar mais uma vez na justiça.

Talvez seja mais adequado reclamar ao Procon.

Pensando nisso, o professor de computação Diego Aranha, da Unicamp, criou o site e o app Você Fiscal.

Ele sugere que você mesmo ajude a fiscalizar o que acontece com seu voto depois que ele sai da urna.

Por que o que acontece antes, ninguém sabe.

Veja como você pode ser um fiscal do voto – com ou sem o app – em

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Jura Passos é jornalista. Formou-se na Escola de Comunicações e Artes da USP e fez especialização em comunicação e políticas públicas no Hubert H. Humphrey Institute of Public Affairs da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos. É um eterno aprendiz de capoeira, samba e maracatu e adora viajar de bicicleta por ai, menos em São Paulo.