A velha mídia tenta enfiar aspas nos cursos sobre o golpe porque tem vergonha de seu papel. Por Donato

Atualizado em 12 de março de 2018 às 13:28
Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil (31/08/2016)

Está começando a parecer a patrulha fundamentalista praticada em escolas contra disciplinas como história e geografia que são entendidas por esses guardiões da moral e dos bons costumes como ‘doutrinação’.

Praticada por jornalistas e não por grupos acéfalos como o MBL contra estudantes adolescentes de segundo grau, porém, fica feio.

O golpe está sendo amplamente ‘ensinado’ nas universidades brasileiras, mas governo e jornalões de direita estão subindo nos tamancos com tal matéria.

No editorial ‘Golpes de insensatez’, em 28 de fevereiro, a Folha de S.Paulo publicou:

O título da disciplina já deveria repelir o aluno prudente de ciência política. A ementa, na qual se leem expressões como ‘ruptura democrática’ com a deposição da presidente Dilma Rousseff e ‘agenda de retrocesso nos direitos e restrição às liberdades’, desfaz qualquer dúvida que se pudesse ter quanto ao alinhamento partidário da matéria.

Para eles, não houve golpe e falar sobre isso é ‘desonestidade intelectual’, tratar do assunto em universidades é ‘desvio de finalidade da coisa pública’. “Golpe” só assim, entre aspas, sarcasticamente.

O que tem deixado esses pessoal enraivecido é a decantação do estágio atual. Passada a turbulência, ‘golpe’ é o termo exato para descrever o que houve (ninguém mais com um mínimo de bom senso chama o golpe de 1964 de ‘Revolução’, certo?) e isso está claro mundialmente.

Mais de cem docentes das mais famosas universidades dos Estados Unidos assinaram um manifesto de repúdio à perseguição que passou a ocorrer contra o professor e historiador Carlos Zacarias da Ufba (Universidade Federal da Bahia) e contra o que consideram ser um tolhimento da liberdade de expressão e do fomento ao debate de ideias nas universidades brasileiras.

Capitaneado pelo professor James Green, da Universidade Brown, o movimento ‘Acadêmicos e Ativistas pela Democracia no Brasil’ é composto por docentes que não apenas sabem o que estão falando como conhecem de fato o Brasil.

“Conhecemos o Brasil e conhecemos as ameaças à democracia que estão ocorrendo lá”, declarou James Green.

O manifesto enviado pelo grupo tem como destinatário o ministro da Educação, Mendonça Filho, e explicita a desaprovação ao escrutínio ao qual estão submetendo a vida e o departamento de um historiador de renome como Zacarias.

O que James Green certamente gostará de saber é que o tiro saiu pela culatra.

Ao tentar censurar o curso ‘Tópicos Especiais em História: o golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil’, o resultado foi que hoje já são 34 universidades em todo o país que preparam ou já ministram cursos com a finalidade de debater e explicar os meandros do golpe que catapultou Dilma Rousseff do Planalto.

UEA, UERJ, UFABC, UFBA, UFES, UFG, UFMGS, UFRJ, UFSC… Enfim, trinta e quatro, pode procurar, há uma universidade próxima de você.

Só o do Instituto de Filosofia e Ciência Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) recebeu nada menos que 850 inscrições.

A procura foi tanta que a universidade decidiu abrir o curso também para audiência remota e disponibilizará as aulas em vídeo.

O curso ‘O Golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil’ irá abranger ‘a caracterização de golpe de Estado na teoria política’, ‘a fragilidade da democracia no Brasil’, e ‘a devastação do trabalho na era Michel Temer’. O presencial terá 15 semanas de duração. Infelizmente, mais breve que a intervenção militar no Rio de Janeiro.

Quer ver um golpista dar piti é dizer que foi golpe. Ainda em 2016 – então como vice, mas já como abutre de olho na carniça – Michel Temer já buscava frear a propagação do ‘conceito’.

Em entrevistas repetia que “os procedimentos do impeachment estão em linha com a Constituição do Brasil” e que “falar sobre golpe de Estado prejudica a imagem do País no exterior”.

Bem, Temer é um cidadão acima dos demais que merece um ‘tratamento diferenciado’, como disse o ministro da Justiça, Torquato Jardim, portanto pode querer o que bem entender. Mas entre o querer e o poder, vai um salto.

O termo ‘golpe’ não foi sepultado como gostaria o ex-vice decorativo. Pelo contrário. Está sendo muito bem explicado, em instituições de nível superior.

Governo autoritário e golpista (ou seria golpista e autoritário?), tenta tapar o sol com a peneira e convence barões da mídia apaniguados. Mas acadêmicos, professores, historiadores e o resto do mundo têm outra opinião sobre o ‘processo que levou ao impeachment’ de Dilma, sem um crime de responsabilidade apontado.