
A cascata que dominou a imprensa brasileira sobre Luana Lopes Lara — a jovem “bilionária genial” que teria chegado ao topo sem ser herdeira, graças a noites insones de estudo e às virtudes incontestes da meritocracia — omite parte essencial da história.
Os mesmos veículos que tratam “bet” como se fosse um setor virtuoso e glamouroso ignoram que o salto bilionário da Kalshi aconteceu depois que Donald Trump Jr. entrou para a empresa, em janeiro de 2025, como conselheiro estratégico. Esse fato, central para explicar a guinada da startup, é tratado como rodapé, quando não simplesmente eliminado das reportagens.
Em janeiro de 2025, Trump Jr. anunciou publicamente que passaria a atuar como adviser da plataforma. Poucos meses depois, em junho, a Kalshi já era avaliada em US$ 2 bilhões. Três meses mais tarde, a empresa voltou ao noticiário por tentar legalizar apostas esportivas para adolescentes de 18 anos, algo rejeitado pela maior parte dos estados americanos, onde a idade mínima é 21 anos. Ao mesmo tempo, buscava “embaixadores estudantis” em campi universitários, estratégia que acabou abandonada após críticas.
Em suas redes sociais, Luana faz questão de demonstrar seu apoio ao presidente dos EUA. Incoporou seu estilo agressivo de responder a matérias que lhe desagradam. São “mentiras estúpidas” e “campanhas de difamação”. Compartilha frequentemente as postagens do sujeito.
The prediction markets were right again! They’re democratizing truth and cutting out the nonsense and pay for play fake polling designed to set a narrative. https://t.co/mlFH91kUl9
— Donald Trump Jr. (@DonaldJTrumpJr) December 3, 2025
A Kalshi enfrenta problemas reais: um processo coletivo em Nova York acusa a plataforma de operar apostas esportivas sem licença e de enganar usuários ao afirmar que oferecia “apostas legais”. Segundo a ação, os clientes não estariam negociando entre si, mas apostando contra um market maker sofisticado, ligado à própria Kalshi — o que, na prática, equivaleria a um cassino não regulado em que a casa define as linhas.
A empresa também enfrenta disputas com reguladores estaduais e grupos indígenas, que sustentam que a Kalshi está oferecendo jogos de azar disfarçados.
Um juiz federal de Nevada já decidiu que a plataforma deve se submeter à regulação estadual, afirmando que contratos ligados a resultados esportivos não se enquadram como “swaps”. A Kalshi tenta reverter a decisão.
Nada disso aparece nas versões edulcoradas publicadas no Brasil. Em vez disso, o público recebe uma fábula motivacional: a catarinense que estudava madrugada adentro, venceu olimpíadas, dançou balé na Áustria pelo Bolshoi, entrou no MIT, brilhou no mercado financeiro e criou uma empresa revolucionária.
A parte feia a gente sonega. É golpe, mas é limpinho.
