A viagem de Lula à África

Atualizado em 23 de março de 2013 às 9:16

Do ponto de vista simbólico, ela não poderia ter sido pior.

Lula recebe Ordem Nacional do Benin, na África
Lula recebe Ordem Nacional do Benin, na África

Era um congresso da esquerda, e a garota notou que as pessoas tinham chegado em carrões ao hotel de cinco estrelas, caro e luxuoso.

“É isso que esperam de nós?”, ela disse. Ela se referia às pessoas que, em várias partes da Europa, estavam e estão fazendo protestos contra o estado de coisas.

Havia, ali naquele simpósio solene, uma desconexão entre a esquerda e a voz rouca das ruas, como notou a jovem.

Teve imensa repercussão, entre os europeus, a fala. O vídeo foi um sucesso instantâneo no YouTube. Ela falou o óbvio, mas o óbvio frequentemente é ignorado.

A Pepe Mujica, o frugal presidente uruguaio, não se aplica a reprimenda da garota espanhola.

Mujica é altamente inspirador, e não apenas para a esquerda. Seu despojamento, sua simplicidade captam o zeitgeist, o espírito do tempo.

Dias atrás, soubemos que Mujica decidira não ir à missa de inauguração do papado de Francisco pela razão mais óbvia: é ateu. Mandou o vice, católico.

Mujica dispensou o palacete presidencial, e vive em sua casa modesta.

Todas essas coisas – a intervenção da espanholinha, a personalidade de Mujica – me vieram à cabeça quando li que Lula fora à África com as despesas pagas por empreiteiras.

Entendo as empreiteiras: elas estão interessadas em fazer negócios na África.

Mas não entendo Lula.

Por que, se era importante ir à África por razões humanitárias e de solidariedade para com o sofrido povo africano, ele não pagou as despesas ele mesmo? Dinheiro não falta: Lula faz palestras, como tantos ex-presidentes, a 200 mil reais de cachê.

Era apenas lobby para favorecer as empreiteiras? Para que se prestar a esse papel de mascate de luxo?

Do ponto de vista de simbologia a mensagem é altamente negativa.

Daí minha lembrança de Mujica: a simbologia conta. Associamos – se com acerto ou não é outra história – Zé Dirceu a vinhos caros, vida faustosa, gravatas finas e implantes de cabelo. Um Mujica às avessas, portanto.

Não tenho dúvida de quanto essa imagem – mais uma vez, ela pode ser real ou meramente uma ilusão — contribuiu para o empenho da mídia em demonizá-lo com propósitos nada edificantes.

Mesmo nas palestras milionárias: alguém imagina Mujica ocupando seu tempo, pós-presidência, em acumular moedas numa atividade tão improdutiva e entediante?

Tony Blair, um criminoso de guerra, fez fortuna com isso. Fernando Henrique Cardoso largou o PSDB nas mãos destruidoras de Serra para cumprir uma agenda extenuantes de palestras milionárias. Reagan e Clinton também foram campeões de palestras depois da Casa Branca.

Mas Mujica não dá para ver no mesmo circuito.

Mujica e as virtudes da vida simples
Mujica e as virtudes da vida simples

Uma vez falei disso, e algumas pessoas levantaram uma série de argumentos a favor das palestras de Lula.

Bem, uma das vantagens seria permitir que ele viajasse por conta própria. Quanto pode custar uma viagem para a África? Chuto que um quarto de palestra – 15 minutos —  cubra todas as despesas e ainda permita boas gorjetas.

A espanhola indignada bateria palmas para Mujica, pelo exemplo que ele transmite sem fazer pregação.

Mas, se soubesse da viagem financiada de Lula à África, teria um acesso, mais um, de indignação.

Se você quer mostrar que sua proposta é diferente da dos outros você tem, também, que agir de forma diferente.

Mujica faz isso.