A vingança de Roberto Campos Neto. Por Moisés Mendes

Atualizado em 11 de abril de 2023 às 23:09
Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Foto: Reprodução

Um constrangimento acontecido em 1967 pode ajudar a entender, sob os mais variados pontos de vista, inclusive o psicanalítico, o que ocorre hoje, 56 anos depois, no embate entre Lula e Roberto Campos Neto em torno dos juros altos.

É uma história que pode explicar por que Campos Neto não pega o boné e vai embora, livrando-se do risco de ficar marcado como o sabotador da economia brasileira.

Essa é a história. No início de 1967, o ditador Castelo Branco, às vésperas de passar o governo para Costa e Silva, escalou uma alta autoridade da área econômica para conversar com o seu sucessor.

Castelo pediu que o emissário explicasse em detalhes os capítulos econômicos da Constituição a Costa e Silva.

Lá se foi o explicador, que começou alertando o futuro chefe da ditadura para o risco de assumir e substituir o presidente do Banco Central, como anunciavam os boatos em Brasília.

Sentindo-se seguro como autoridade no funcionamento do BC, o enviado teve a petulância de dizer ao general, como se fosse um professor de quinta série diante de um colegial:

– O Banco Central é o guardião da moeda.

Costa e Silva não gostou e retrucou na hora:

– O guardião da moeda sou eu.

O emissário de Castelo Branco conta o que aconteceu depois:

“Costa e Silva desconsiderou os mandatos (dos presidentes do BC). Pouco a pouco, o Conselho Monetário Nacional, pela expansão do número de membros, teve suas reuniões transformadas em comícios, e sua presidência em cargo de alta rotatividade, em tudo condizente com a casa da tolerância monetária em que o Banco Central se transformou”.

O mensageiro que contou essa história era o economista Roberto Campos, avô do hoje presidente do BC.

Campos ocupava o Ministério do Planejamento de Castelo Branco. Dois anos antes, havia ajudado a criar o Banco Central.

Pois Costa e Silva desconsiderou seu conselho, mandou Denio Chagas Nogueira embora do BC e escalou Ruy Aguiar da Silva Leme para o cargo.

O avô de Bob Fields Neto relembra os fatos, com queixas diretas aos militares, em “Antologia do Bom Senso” (Editora Topbooks, 1996).

Roberto Campos, homem forte da economia na ditadura militar. Foto: Bia Parreiras/Exame

O grande pensador do liberalismo brasileiro afirma no livro que o BC nunca teve respeitada sua independência, fixada em lei, em relação ao governo.

Mas a lei 4.595/64, que cria o banco, não fala em autonomia nem em independência. A autonomia só vai acontecer, por lei aprovada pelo Congresso, em 2021.

Durante o governo de um tenente, o neto quase desconhecido antes de chegar ao BC conseguiu o que o avô poderoso não havia conseguido com os generais.

Roberto Campos nada podia fazer para impor o BC autônomo na ditadura que ele ajudava a manter.

O neto impõe a autonomia e enfrenta, na democracia, o presidente que não o indicou para o cargo e não pode mandá-lo embora.

O avô perdeu o emprego assim que Costa e Silva assumiu. O neto tem mandato até dezembro de 2024 e só cai fora se quiser ou for derrubado por decisão de Lula, se o presidente tiver depois o improvável aval do Senado.

Bob Fields Neto pode estar tentando, talvez sem querer, uma vingança em nome do avô morto que se considerava pai ou dono do Banco Central.

O que todo mundo sabe é que o neto vem obtendo sucesso como emissário e guardião das moedas da direita e dos grileiros da Faria Lima.

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