A violência imposta a Lula pela justiça e a justiça imposta a Bolsonaro pela violência. Por Carlos Fernandes

Atualizado em 14 de setembro de 2018 às 18:49
Eles

A primeira igualdade é a justiça, diria Victor Hugo. Mas numa justiça desigual chegam a ser curiosas as formas pelas quais uma outra justiça, a poética, pode se impor.

Vejam o caso do ex-presidente Lula.

Brutalmente violentado nos seus mais básicos direitos constitucionais, teve no próprio Judiciário o seu mais cruel carrasco.

Pela violência imposta pela justiça foi impedido de manter sua candidatura à presidência. Num processo ridicularizado no mundo inteiro, uma farsa retirou da corrida eleitoral a maior expressão viva do eleitorado brasileiro.

Mas ao contrário do que previram, não bastou encarcerá-lo. A ideia Lula continuou livre a se multiplicar pelo país. Resolveram então, calá-lo.

Novamente viram se tornar infrutíferos os seus intentos. Pelas vozes de milhões de brasileiros, Lula ecoou a sua mensagem.

Desesperados e sem muito o que fazer, retiraram de Lula o seu último e mais simbólico ato político: o voto. Mais uma vez a justiça utilizou-se da violência para flagelar um homem.

Lula, o indivíduo, se viu de repente ilegalmente preso, incomunicável e completamente impedido de fazer sua campanha e votar em si próprio.

Daí que consumada mais uma peça do golpe, o segundo colocado nas pesquisas, Jair Bolsonaro, assumiu a liderança em todas os cenários testados.

A despeito de todos os seus ataques, insultos e grosserias, se manteve livre e desimpedido para fazer sua campanha ameaçando “fuzilar petralhas” e ensinando crianças inocentes a imitarem armas com as mãos.

Mas eis que violência gera violência.

Um desequilibrado qualquer, cego na sua própria idiotia política e religiosa, desfere um golpe contra o mais “macho” dos candidatos.

Bolsonaro é carregado ao hospital público mais próximo.

Médicos do SUS salvaram sua vida em meio à falta de equipamentos e ao descaso do poder público frente à saúde pública.

A primeira ironia restou concretizada. Mas não era só.

Já devidamente instalado num dos hospitais particulares mais famosos do país, cuja fatura astronômica será paga pelo plano de saúde do Congresso Nacional, ou em outras palavras, pelo contribuinte, Bolsonaro se viu violentamente impedido de continuar a fazer sua campanha.

Complicações no seu estado de saúde fizeram com que esse impedimento se alastrasse do primeiro turno para até meados da posse do próximo presidente.

A segunda e maior ironia dava as caras.

Aprisionado numa cama de hospital, o capitão da reserva está incomunicável, sem poder fazer campanha e impedido de se dirigir até as urnas para votar em si mesmo.

Por duas formas distintas de violência, ambas igualmente criminosas e reprováveis, os dois candidatos mais bem posicionados nas pesquisas para as eleições de 2018 foram vergonhosamente retirados de combate.

Em ambos os casos, também de forma igual, esses dois episódios exterminaram qualquer certeza que poderíamos ter de nosso sistema democrático.

Para além da desilusão de uma eleição marcada pela violência civil e judicial, o que restou inconteste é que existe um equilíbrio a ser mantido por alguma força do universo.

E de uma certa forma, em nome desse equilíbrio, os dois maiores personagens dessa eleição agora encontram-se em pé de igualdade, cada um violentado à sua maneira.

Ainda que seja uma barbárie, é uma justiça poética.

Afinal, quem disse que a poesia, mesmo sendo bela, não pode também ser cruel?