A virada autoritária de Piñera e o fracasso de um governo incompetente e corrupto

Atualizado em 22 de outubro de 2019 às 7:49
19.out.2019 – Presidente do Chile, Sebastián Piñera, ao declarar estado de emergência em Santiago
Imagem: Divulgação/Presidência do Chile via AFP

Publicado no Instituto Humanitas Unisinos

Embora o presidente entregue momentaneamente os poderes aos militares. Um mau sinal.

O comentário é de Luis Badilla, jornalista chileno, publicado por Il Sismografo, 20-10-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.

O verdadeiro problema do Chile, bem como a maior parte das nações latino-americanas: ser controladas por políticos e políticas incapazes de enfrentar os muitos e graves problemas da região e, ao mesmo tempo, prisioneiros das finanças internacionais que financiam sua corrupção alimentando as direitas e as esquerdas.

Já fazia muito tempo que numerosos observadores e analistas independentes e competentes diziam que o Chile caminhava silenciosamente em direção a um novo abismo institucional. “Não existe um oásis democrático e de bem-estar no Chile”, acrescentavam. “Sob as aparências fermenta uma crise que poderia ser a pior da região da América Latina”, destacavam com amargura.

Portanto, não é absolutamente verdade que é o aumento do preço da passagem do metrô de Santiago – utilizado por pelo menos 3 milhões de pessoas todos os dias (o país tem 18 milhões de habitantes) – a causa do que está acontecendo, embora que não deva ignorar que essa taxa aumentou 20 vezes em pouco tempo, passando de 420 pesos (0,60 dólares) para 830 pesos (1,18 dólares).

A atual crise no Chile tem outras raízes e as causas reais devem ser identificadas nas profundezas da dinâmica socioeconômica e política do país, muitas das quais se arrastam desde o final da ditadura de Pinochet e voltaram ao governo, unidas, as mesmas forças políticas que anteriormente, divididas, levaram ao golpe militar de 1973. As armadilhas dessa passagem de 29 anos atrás, hoje, começam a repassar a conta a todos.

O episódio do metrô é a clássica gota que fez o copo transbordar, como quase sempre acontece no início das grandes crises. É a faísca que provoca a explosão de um ambiente saturado de elementos de alta combustão social. Em resumo, a tampa de uma panela de pressão que há muito ameaçava implodir – e mais se mentia ou se fingia que estava tudo bem – mais aumentava a pressão.

Enquanto isso, todos ficavam em silêncio, todos, exceto os líderes da juventude, os padres da periferia, as religiosas da pastoral popular, os centros acadêmicos que tratam da promoção humana e algumas organizações regionais.

Aquela do Chile, e não apenas, é a história de uma crise anunciada. Mas é uma crise que não deve ser subestimada ou rebaixada a incidente transitório.

Do governo anterior, de centro-esquerda, de Michel Bachelet, até o atual, de direita, liderado pelo empresário bilionário “pinochetista” Sebastián Piñera, um mal-estar profundo e perturbador se arrastava no país como refém de uma classe governante – partidos e políticos – incompetente e corrupta. E é este o verdadeiro problema do Chile, assim como da maioria das nações latino-americanas: serem controladas por políticos e políticas incapazes de enfrentar os muitos e graves problemas da região e, ao mesmo tempo, prisioneiros das finanças internacionais que financiam sua corrupção alimentando as direitas e as esquerdas.

Incompetência e corrupção, maciças e generalizadas, estão na raiz de outras situações igualmente devastadoras que a população sente em sua própria carne, todos os dias: a desigualdade social – no Chile, entre as mais abomináveis ​​da América Latina (que é a área com mais desigualdades sociais no mundo) – e as injustiças que milhões de chilenos devem sofrer porque o sistema – isto é, capitalizar privadamente a riqueza pública – os considera “descartes”, não-cidadãos, mas indivíduos que habitam as terras do Chile, forasteiros sem direitos.

Os dados macroeconômicos, que não respondem pela vida cotidiana e real dos cidadãos de um país dividido entre pouquíssimos ricos e milhões de pobres ou empobrecidos, dizem que o Chile tem a maior renda anual per capita da América Latina (20 mil dólares). Este ano, seu produto interno bruto deverá ficar em torno de 2,3-2,5% e a inflação não deverá exceder 2%. Enquanto isso, de acordo com dados do “Hogar de Cristo”, uma instituição da Igreja Católica, 20,7% da população vive em condições de pobreza “multidimensional” (3.530.889 chilenos). Entre estes, muitos são jovens.

Com toda a probabilidade, a crise chilena encontrará momentaneamente uma “solução”, especialmente depois que o governo decidir voltar atrás no aumento da passagem do metrô, como na Nicarágua o ditador Ortega voltou atrás com sua reforma previdenciária.

Mas em Santiago se abriu uma crise social, política e institucional, que leva a pressagiar cenários semelhantes aos de Manágua de abril de 2018 a hoje. Infelizmente, são cenários violentos que já podem ser vistos na Venezuela e no Equador e que em breve poderemos ver no Brasil e na Argentina.

A situação regional é perigosa também porque a história mostra e lembra que na América Latina a violência das classes populares, a ser condenada sem ambiguidade e com honestidade, leva direto aos quartéis e não é preciso muito para acabar com um general feroz no lugar de um presidente eleito democraticamente.