A volta do cotista branco do Itamaraty. Por Marcos Sacramento

Atualizado em 26 de julho de 2015 às 8:49
Mathias Abramovic
Mathias Abramovic

 

Com uma relação de 200 candidatos por vaga, a seleção para carreira diplomática é uma das mais difíceis do país. A concorrência faz com que candidatos participem do certame mais de uma vez e invistam até 30 mil reais por cinco meses de curso preparatório.

No caso do médico Mathias Abramovic, soma-se a esses esforços o velho jeitinho brasileiro. O carioca de 38 anos, branco, olhos claros e com um fenótico que não o expõe a situações de racismo vai recorrer às cotas raciais pela segunda vez na disputa a uma vaga no Itamaraty. Ele tentou em 2013, quando causou polêmica ao se autodeclarar negro por ter a bisavó paterna negra e avós maternos pardos.

O Ministério das Relações Exteriores adota as cotas desde 2010, seguindo o critério de autodeclaração. Como a regra não prevê nenhuma outra forma de análise para determinar se o candidato é negro, a princípio não há ilegalidade da atitude de Abramovic.

Quanto à moralidade é outra história. As cotas raciais para ingresso nas universidades e no serviço público federal são formas de reparar parte dos prejuízos herdados pela população negra devido aos três séculos de escravidão e décadas de ausência de políticas públicas após a abolição. Não são atalhos jurídicos à disposição dos espertalhões.

O pior é que essa história de branco se afirmar negro em concursos nem é exclusividade de Abramovic. No último certame para a Polícia Federal, pelo menos 27 candidatos brancos usaram as cotas e foram aprovados na primeira fase da disputa. Segundo uma amiga ativista do movimento negro, há informações de estudantes recorrendo à prática para ingressar nas universidades federais.

Contudo, esses abusos não podem ser usados para questionar a eficiência das políticas de cotas. Indicam, na realidade, a necessidade de proteger o sistema dos indivíduos que colocam o estômago na frente da moral.

“É preciso um sistema de questionamento. Claro que alguém dirá que isso seria um “tribunal racial”, nome forte e polêmico, mas o STF já sinalizou que uma comissão de averiguação é saudável e oportuna. Muito pior do que ter uma comissão de averiguação será ver nórdicos, japoneses e outros não contemplados pelas cotas valerem-se do artifício da autodeclaração. Pior do que colocar alguém que não faz jus à cota é abrir espaço para que os malandros ingressem no serviço público”, escreveu o diretor da ONG Educafro, Frei David Santos, em texto assinado em conjunto com o juiz federal Willian Douglas.

Só um mecanismo institucional garante que as cotas cumpram o papel de beneficiar a população negra. Deixar como está, ao sabor do bom senso, permite que outros abramovics se disfarcem de silvas, souzas, nascimentos nos outros concursos que virão.

Marcos Sacramento
Marcos Sacramento, capixaba de Vitória, é jornalista. Goleiro mediano no tempo da faculdade, só piorou desde então. Orgulha-se de não saber bater pandeiro nem palmas para programas de TV ruins.