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A voz de Anderson Leonardo, do Molejo, transformava dor em riso. Por Adriano Viaro

O cantor Anderson Leonardo, morto nesta sexta-feira (26), aos 51 anos. Reprodução

Cresci na periferia de Porto Alegre, município de Alvorada, em meio à criminalidade e à falta de recursos. Ali, éramos adolescentes e depois jovens adultos, privados de qualquer forma de dignidade. Não estou falando de falta de luxo ou conforto, mas sim das condições mínimas de sobrevivência.

Nos anos 1990, nossa juventude começou a se enxergar nas telas de domingo. Era o pagode, posteriormente apelidado de “Movimento Pagode90”, o responsável por cantar amores e afetos, mas, sobretudo, mostrar que os espaços midiáticos também poderiam dar visibilidade aos excluídos.

Uma miríade de canções invadiam nossos lares, lembrando a frase dos Racionais: “Entrei pelo seu rádio, tomei, cê nem viu”. Os Racionais também davam significado às nossas vidas, mas por outro viés, igualmente importante. Mas vou me concentrar no pagode.

Músicas, mais de mil. Hits, mais de quinhentos. Grupos, mais de cinquenta. Entretanto, foram quatro os grupos de maior sucesso: Raça Negra, SPC, Negritude Júnior e Molejo. O último, não menos importante, começou a carreira na mesma linha romântica dos demais, como na inolvidável “Em busca da felicidade”, para logo se aventurar em um ritmo brincalhão com hits como “Brincadeira de Criança” e “Dança da Vassoura”.

O Molejo, ou Molejão, nos dava motivo para sorrir mesmo com nossas roupas ou andrajos, pouca comida, ônibus lotados e esgoto a céu aberto. O Molejo transformava a dor de amor em riso, revelando com seus dentes desalinhados uma voz inigualável. Não, Anderson não era um exímio cantor, mas ele era a voz única do Molejo.

Os anos 1990 voltam em uma viagem astral para reunir Anderson e levá-lo ao altar dos grandes. Fui embalado pelo sorriso e pela irreverência. Mas, mais do que isso, a cada riso eu esquecia por alguns minutos toda a adversidade de uma típica família periférica. Uma mãe enfrentando o câncer que a levaria, um pai tomado pelo alcoolismo, uma casa com chão batido e tijolos sem reboco.

Eu sou filho da periferia. Sou cria de uma realidade que denunciava abusos através do rap, e que namorava, se apaixonava, cantava e se orgulhava com o Pagode90. Anderson Leonardo tinha defeitos. Sim, era humano. E ser humano não é “Brincadeira de Criança”. É uma “cilada” “em busca da felicidade”.

Obrigado, Anderson. Valeu a pena.

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Adriano Viaro

Adriano Viaro é graduado e mestre em História (UPF), tendo desenvolvido sua dissertação sobre a hitória e a historiografia dos quilombos dos Palmares. É também especialista em Sociologia com ênfase em exclusão social

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