A Voz: vídeo evangélico romantiza violência e mulheres evangélicas protocolam representação criminal

Atualizado em 24 de julho de 2020 às 23:07
Vídeo da música “A Voz”. Foto: Reprodução

Publicado originalmente no Jornalistas Livres:

Por Laís Vitória Cunha de Aguiar

Representação criminal contra a gravadora MK foi protocolada na tarde de hoje pelo movimento de Mulheres Evangélicas do Brasil.

‘A gente tá se unindo pra dizer que sabemos o que estão fazendo, e não vamos ficar caladas. Nós sempre resistimos dentro das igrejas, mas com o passar do tempo fomos crescendo, nos formando, e agora estamos mais unidas, nos tornando um movimento social.’- Explicou a jornalista Diana Gilli Bueno (37), membra do recém criado Movimento de Mulheres Evangélicas do Brasil (MOSMEB), da igreja Liberta-Igrejas Libertárias.

Como resultado da primeira plenária ampliada do Movimento de Mulheres Evangélicas do Brasil, tivemos protocolada hoje à tarde uma representação criminal contra a gravadora MK no Ministério Público (MP) do Rio de Janeiro. Com assinatura de 69 movimentos de mulheres cristãs, evangélicas, temos o começo de um movimento social importante para a luta contra o feminicídio e pela independência feminina.

O vídeo da música A Voz, da cantora gospel Cassiane, lançado no dia 17 de julho, já teve duas versões, e uma pior que a outra: na primeira a mulher larga o marido depois de ser agredida, mas deixa uma bíblia com um bilhete. O homem se converte e ao final eles voltam a ficar juntos. A diferença no segundo vídeo (que já tem 33 mil dislikes, o primeiro, antes de ser tirado do ar tinha cerca de 99 mil dislikes), é que ela liga para o 180 e seu marido e preso, mas depois é solto, encontra a bíblia e volta para a esposa, que o perdoa.

‘(…) Que perdão é esse que exime o agressor da responsabilidade? Que perdão é esse que ele vai continuar cometendo a agressão? O evangelho é libertador, a mulher não deveser escravizada.’- Disse a pastora metodista Revda Ione da Silva, como porta voz do Movimento de Mulheres Evangélicas do Brasil, em uma entrevista sobre a plenária e o vídeo na tarde de hoje.

‘Estamos unidas com as comunidades das mulheres de diversos movimentos, desde a Aliança de Negras e Negros Evangélicos do Brasil, a Rede de Mulheres Negras Evangélicas, até Mulheres Contra Bolsonaro (MUCB), e Mulheres que Derrubam Bolsonaro.’- A diversidade do grupo, segundo Diana, é grande, apesar da maioria do movimento ser formado por mulheres negras.

O vídeo em si manifesta um problema bem sério: segundo a pesquisa da teóloga e doutora Valéria Vilhena, de 2008, 40% das mulheres brasileiras que sofrem violência doméstica são evangélicas.

É um número alarmante, ‘é a naturalização da violência’, explicou a pastora Ione, ‘é a romantização da violência’, complementou Diana, que nos contou que essa questão do perdão é romantizada pelas igrejas, que colocam como se a mulher sempre tivesse que perdoar o agressor voltando para ele: ‘é um tipo de narrativa que eles colocam e a gente já conhece, a diferença é que agora estamos unidas para lutar contra isso. Tem muita mulher que não percebe o que está errado no vídeo, então decidimos fazer um vídeo explicando.’ Veja o vídeo abaixo:

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Entenda porque o clipe da cantora Cassiane, produzido pela MK Music faz apologia à agressão contra a mulher. Nós, do Movimento Social de Mulheres Evangélicas do Brasil (MOSMEB), produzimos um vídeo pedagógico para que você entenda cena a cena quais são os tipos de violência retratados no clipe lançado no canal do youtube da MK Music. O vídeo clipe traz uma encenação de situação de violência doméstica onde o marido pratica atos descritos na Lei 11.340 de 2006 e previstos como crimes na legislação penal como agressões: física, moral, patrimonial, psicológica e simbólica. Violência doméstica é crime. Denuncie: 180 #MOSMEB #EvangélicasContraaViolenciaDomestica #Somoscontraviolênciadoméstica #Contraaviolência #Chegadeviolênciadoméstica #Denuncie #Denuncie180 #rompaosilencio

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Esse movimento visa continuar a luta pela liberdade das mulheres, contra os discursos- seja lá em que instância do poder- que tratam as mulheres como escravas. E mais, como disse a pastora Ione, elas querem partir para a ação: ‘a gente quer continuar essa mobilização, trabalhar para que as mulheres tenham ferramentas para denunciar, a ideia é não ficar parada. Vamos continuar com esse movimento e entrar cada vez mais nas comunidades.’