A vulnerabilidade do trabalhador na pandemia atiça a sanha da burguesia. Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 7 de abril de 2020 às 23:22
Carteira de trabalho. Foto: ARQUIVO EBC

Publicado originalmente no perfil de Luis Felipe Miguel

Muita gente tem falado que o mundo pós-coronavírus vai ser melhor. Vamos ter aprendido a valorizar o trabalho diante do capital. Vamos ter aprendido a respeitar a natureza. Vamos ter aprendido a importância da solidariedade e do cuidado. Vamos fortalecer os sistemas públicos de saúde. Vamos reconhecer o valor da ciência. E assim por diante.

Eu me permito ser cético.

A principal chamada do site da Folha, no momento, é “Empresários querem manter benefícios do governo após fim da crise do coronavírus: setores que pleitearam mudanças apostam em perenizar novas regras, como flexibilização da legislação trabalhista”.

Valorização do trabalho? A vulnerabilidade da classe trabalhadora atiça a sanha da burguesia.

Na China, a palavra de ordem é retomar a produção industrial nos moldes de sempre, com o desprezo pela ecologia que é uma das marcas do “milagre” chinês.

E será que as pessoas comuns – isto é, cada um de nós – refletirão sobre as consequências da destruição do meio-ambiente? Ou, ao contrário, as frustrações acumuladas por meses de consumo represado pelo confinamento nos empurrarão – isto é, aqueles que puderem – para uma nova espiral de consumismo predatório?

Os políticos falam em “salvar a economia” – alguns, prudentemente, observando que primeiro é preciso salvar as vidas – mas não se discute que economia se deve salvar. A ideia de “crescimento econômico” continua comandando tudo, como se crescimento fosse por definição sinônimo de melhora, como se todos os outros valores (bem estar, autonomia, igualdade) fossem secundários.

Até agora não vi Mandetta, o improvável herói das luzes no Brasil, fazer qualquer pronunciamento que indique um compromisso firme com o SUS. Alguém acredita que laboratórios, operadoras da saúde privadas e seus porta-vozes no mundo político vão subitamente colocar o bem comum acima de seus interesses particulares?

O que nos protege do vírus e o que nos dá esperança de vencê-lo é o conhecimento científico. Sim. Mas quando o pior passar, veremos templos lotados de pessoas agradecendo ao Deus piedoso que matou centenas de milhares mas salvou a minha vida. E prontas para serem enganadas pelo sacerdote picareta de sempre.

A crise expõe as contradições da nossa sociedade com clareza máxima. Mas, sem luta política, não nos encaminha para nenhum avanço.