Abandonar a polarização em relação a Bolsonaro é um erro que a esquerda não deve cometer. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 19 de novembro de 2019 às 15:26

Setores do PT começam a ser seduzidos pelo discurso da velha imprensa de que Lula deveria abrandar seu discurso para conquistar eleitores que supostamente seriam de centro.

Alguns expressam essa opinião pelo receio de que o partido se isole, outros têm interesses em alianças regionais com vistas à eleição de 2020 e, para isso, estão dispostos até a abrir mão de candidaturas próprias competitivas para apoiar candidatos de outras legendas.

Seja por um motivo ou por outro, trata-se de um equívoco, “suicídio político”, como anotou o jornalista Breno Altman, do Comitê Nacional Lula Livre.

“Se o PT e a esquerda caírem no conto do vigário de que a polarização é um mau negócio, estarão cometendo suicídio político. O grande desafio é construir uma alternativa independente e convencer o povo de que somente há saída pela esquerda, com um governo de esquerda.”

Em época de crise, não há saída pelo centro — espaço que nas últimas eleições foi ocupado por Marisa Silva e Geraldo Alckmin, e o fiasco deles revela por si só o erro de tomar esse caminho.

Significa que o PT deveria evitar alianças com partidos de centro? De acordo com petistas como Breno, claro que não.

Mas a defesa de uma mensagem clara aos eleitores: a esquerda é o oposto do que representam Jair Bolsonaro e Sergio Moro, os nomes mais conhecidos da extrema direita.

Até nos Estados Unidos, com a radicalização à direita do governo Trump, a esquerda tem crescido. E a polarização no país é um fato político. Tanto que há em curso uma investigação na Câmara para abertura de processo de impeachment.

Outro exemplo da polarização: A senadora Elizabeth Warren, uma das favoritas no Partido Democrata para ser candidata a presidente, tem propostas que poderiam estar num plano de governo do PT no Brasil ou de Alberto Fernández na Argentina: taxar grandes fortunas, valorizar o salário mínimo e ampliar a gratuidade do ensino superior.

O erro de quem defende que o PT de certa forma se descaracterize é precisamente este: desconhecer que, nestes tempos de radicalização no campo da direita, o eleitor tende a rejeitar quem se apresenta com discurso vacilante.

Em 2018, quando a candidatura de Lula ainda não tinha sido barrada pelo TSE, as pesquisas qualitativas indicavam que havia eleitores dispostos a votar em Bolsonaro caso não pudessem escolher o ex-presidente.

Foi o que acabou acontecendo. No primeiro turno, 7% dos votos recebidos por Bolsonaro eram de eleitores de Lula.

Por quê?

Uma das hipóteses é que o eleitor via tanto em Bolsonaro quanto em Lula a capacidade de tomar decisões. Não ficavam em cima do muro, que é o sinônimo de centro.

Esses eleitores, com o fracasso do governo Bolsonaro, devem agora retornar para o campo da esquerda, não por razões ideológicas, mas por pragmatismo.

Querem uma solução para problemas como desemprego, renda em queda, serviços públicos ineficientes.

Para isso, no entanto, precisam identificar um discurso claro, polarizado em relação a Bolsonaro.

Como sempre fez, o chamado centro fará a sua escolha: o desastre protagonizado por Bolsonaro ou o atendimento às suas demandas, com a volta de um ambiente mais democrático e crescimento econômico.

O PT não é, naturalmente, o único partido de esquerda que poderá assim se apresentar. Mas nenhum outro, como o PCdoB, o PSOL, o PSB e até o PDT, tem um ativo tão vantajoso quanto a liderança de Lula.

O ex-presidente poderá ser candidato, desde que o STF anule a condenação dos processos conduzidos por um adversário político, o ex-juiz Sergio Moro, e é bastante provável que isso venha a ocorrer.

Mas, ainda que não seja Lula o candidato, o posicionamento à esquerda não pode ser abandonado.

Nenhum representante da esquerda poderá se apresentar como Cuauhtémoc Cárdenas Solórzano, que foi prefeito na cidade do México.

Na virada do século, Cuauhtémoc era favorito para as eleições presidenciais, mas, em toda entrevista, logo avisava: “Não sou de esquerda”.

Eu mesmo o entrevistei no Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre.

Era de esquerda, mas não queria ser visto como tal, num tempo em que se falava do pensamento único, um mundo sem alternativa ao neoliberalismo.

Nunca se elegeu presidente.

Já Andrés Manuel López Obrador sempre ostentou sua condição de político de esquerda e assim chegou à chefia do governo do México. O mesmo vale para Alberto Fernández, na Argentina.

Nos Estados Unidos, a diferença entre esquerda e direita mais clara em relação a alguns anos atrás.

Tanto lá como aqui, quem se apresentar como representante do centro não ocupará lugar algum na política.

Já a esquerda tem propostas e serviços prestados capazes de atrair o tal centro, sobretudo diante do que representa Bolsonaro.

É uma força capaz de criar uma onda que liberte o Brasil da obscuridade presente.

Agindo assim, conquistará o eleitor de uma maneira geral, exceto aqueles brasileiros capazes de marchar e bater continência diante de uma réplica da estátua da liberdade em uma loja da Havan. Também não atrairá quem defende a tortura, o AI-5 e as milícias.

Melhor assim. Que o voto destes fique com Bolsonaro e Sergio Moro. Quem tem capacidade de discernimento os rejeitará, e apoiará uma candidatura que seja o oposto deles, não uma Marina Silva ou um Geraldo Alckmin da vida.