“Abrir mão do Complexo do Ibirapuera é um absurdo”, diz Juca Kfouri

Atualizado em 25 de janeiro de 2021 às 19:52

Publicado originalmente no Brasil de Fato

Por Vanessa Nicolav

Inaugurado em 25 de janeiro de 1957, dia do aniversário de São Paulo, o Complexo possui 91 mil m2. Dois ginásios, estádio de atletismo e parque aquático com piscina olímpica – Reprodução

São Paulo, a cidade mais populosa e uma das mais antigas do Brasil, comemora hoje (25), seu 467º aniversário. Porém, apesar de importante legado histórico e centralidade econômica no país, o que conta sua história recente é a acelerada desvalorização da sua memória e dos seus bens públicos.

Depois do Vale do Anhangabaú ser concedido à iniciativa privada e perder sua arquitetura original, agora é o o Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães, conhecido como Complexo Esportivo do Ibirapuera, que pode ser totalmente remodelado.

A proposta faz parte de um edital de concessão à iniciativa privada, lançado pelo governador João Doria (PSDB), com prazo para ser finalizado em fevereiro deste ano. O projeto prevê a concessão do equipamento público por 35 anos à empresas que se comprometam a investirem R$ 962 milhões em reformas do lugar.

Inaugurado em 1957, no dia do aniversário de São Paulo, o Complexo possui 91 mil m². Dois ginásios, estádio de atletismo e parque aquático com piscina olímpica. O local também é sede de diversas federações estaduais, além de ser sede do Projeto Futuro, programa gratuito de formação de atletas.

Como proposta anexa, o projeto também propõe à concessionária a demolição de grande parte do projeto original e a instalação de um centro comercial, de entretenimento e gastronomia no lugar. Onde hoje funcionam o alojamento, o centro aquático e o estádio Ícaro de Castro Melo, o edital sugere a construção de um apart hotel, um hotel comercial e shopping a céu. O Ginásio Geraldo José de Almeida, se transformaria em uma área multiuso.

Atletas, usuários do equipamento, arquitetos e moradores do entorno tem criticado o projeto. Para Juca Kfouri, jornalista esportivo, a iniciativa é um ataque ao direito de esporte e lazer, que já é bastante negligenciado na capital paulista.

“Numa cidade de tão poucas ferramentas esportivas para a população, pensar em abrir mão do complexo do Ibirapuera é um absurdo, até porque não há motivo algum para se acreditar nas promessas que são feitas por aqueles que têm esta sanha privatista”, afirma o jornalista.

Uma das justificativas da prefeitura para o projeto é de que a região carece de centros comerciais que atendam a população. Porém, conforme lembra Kfouri, na área já existe grande variedades de espaços de compras e lazer. “O que se procura na verdade é usar aquele espaço num dos bairros nobres de São Paulo, para fazer mais um shopping, para fazer mais hotéis” avalia.

Processo judicial

Com pouco detalhamento sobre monitoramento e formas de participação da sociedade, o edital já foi parar na justiça. A pedido de ação popular, uma medida cautelar assinada pela juíza Liliane Keyko Hioki, decidiu pela paralisação do edital, argumentando que o processo licitatório é precipitado e feito sem análise.

Até agora a prefeitura não entrou com recurso, porém o projeto ainda consta na página de editais abertos

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) também abriu processo pelo tombamento do Complexo Esportivo, a pedido de mobilizações populares. A requisição ainda precisa ser submetida à deliberação das unidades técnicas responsáveis pela proteção aos bens culturais brasileiros.

Nesta semana, a União Internacional de Arquitetos e a Associação dos Amigos das Praças também reforçaram o pedido.

Renato Janine, cientista político e ex-ministro da educação durante do governo de Dilma Rousseff (PT), foi um dos signatários da ação pública judicial.

“As empresas que adquirirem esse lugar, elas vão precisar ter lucro, é da natureza delas, isso não está errado, errado é estar dar a elas uma situação em que elas vão encher o parque Ibirapuera, de lojas, fast food, etc. Então, a questão fundamental é saúde, esporte, lazer, isso tudo vai dividir espaço, vai ser relegado a segundo plano porque não necessariamente dá lucro, aliás, não dá lucro, vai ser relegado a segundo plano”, conclui Janine.

Outro argumento defendido pela prefeitura é de que a reforma do local é necessária devido ao sucateamento do equipamento público.

“Se fala que está sucateado. Está sucateado por política deliberada, desta sanha privativista. Nada que se fez nessas áreas do Brasil deu certo. A privatização do Maracanã não deu certo, do Mineirão ao centro E por aí afora. Então é preciso recolocar a sua discussão nos termos em que essa discussão possa ser feita de maneira honesta”, afirma Kfouri.

Outras privatizações

Débora Iacono é advogada e conselheira do Parque Ibirapuera, que foi privatizado em 2019. Ela conta que, no período, todo poder deliberativo do conselho foi retirado por decreto, e avalia que a exclusão da população é marca do projeto de concessões.

“A população não é ouvida. Eu tenho a possibilidade de ver isso pela minha participação nesse grupo grande onde tem pessoas de vários parques. Dizem que eles estão ouvindo a população que está tudo sendo feito, que foi criado uma lei, um decreto, porque daí pra frente vai correr pela regra do poder público”, alerta Iacono.

Procurado pelo Brasil de Fato, o governo do Estado não respondeu se entrará com recurso requisitando a retomada do projeto

Edição: Marina Duarte de Souza