“Ação contra Lula nasceu com um componente político inequívoco”, diz advogado de Lula

Atualizado em 24 de janeiro de 2018 às 8:27
Cristiano Zanin Martins, advogado de Lula

Publicado na Carta Capital

POR RODRIGO MARTINS

Na próxima quarta-feira 24, o advogado Cristiano Zanin Martins terá 15 minutos para fazer a sustentação oral diante dos desembargadores da 8ª Turma do TRF da 4ª Região, que julgarão a apelação de Lula. Na ocasião, o defensor pretende demonstrar que não ficou comprovado o “ato de ofício” do ex-presidente para justificar a condenação por corrupção passiva.

“Esse crime está configurado quando um agente público solicita ou recebe uma vantagem indevida para praticar ou deixar de praticar atos relacionados à sua função pública”, explica. “Na sentença proferida pelo juiz Sergio Moro, ele diz que os atos praticados pelo ex-presidente são indeterminados. Só que isso não existe no ordenamento jurídico, ninguém pode ser condenado por fatos indeterminados.”

A defesa também contesta a acusação de que Lula seria o verdadeiro proprietário do tríplex no Guarujá. A ex-primeira-dama Marisa Letícia, falecida em fevereiro de 2017, investiu valores, de 2005 a 2009, em uma cota da Cooperativa Habitacional dos Bancários, a Bancoop, e depois o empreendimento tocado pela cooperativa foi transferido à OAS.

Nesse momento, os donos das cotas puderam optar entre pedir o resgate do valor investido ou usar o valor como parte do pagamento de uma unidade. Marisa optou por resgatar o dinheiro. O ex-presidente teria visitado o imóvel uma única vez, em 2014, para analisar uma proposta de venda. Jamais tomou posse ou usufruiu do apartamento, que segue registrado em nome da empreiteira no Cartório de Registro de Imóveis.

Para comprovar que o triplex ainda pertence à OAS, a defesa recentemente anexou aos autos da ação penal uma decisão proferida em 4 de dezembro pela 2ª Vara de Execução e Títulos do Distrito Federal, na qual a juíza Luciana Correa Tôrres de Oliveira determina a penhora do apartamento para cobrir dívidas da construtora.

Antes de Moro proferir sua sentença, o advogado de Lula havia apresentado outro documento, a comprovar que o imóvel foi usado pela OAS como garantia de uma operação financeira com a Caixa Econômica Federal. “Esses fatos demonstram de forma inequívoca que Lula jamais teve a propriedade ou a posse desse imóvel”.

CartaCapital: Por que a defesa de Lula solicitou que o ex-presidente prestasse depoimento novamente?
Cristiano Zanin Martins: No tribunal, compete aos advogados fazer a defesa técnica, mas é assegurado ao acusado fazer a sua autodefesa, contestar os fatos que lhe foram atribuídos. Isso não foi possível. O ex-presidente foi perguntado sobre fatos que não tinham qualquer relação com a ação ou com ele, além de ter sido interrompido diversas vezes enquanto prestava esclarecimentos. O depoimento foi conduzido de forma indevida pelo juiz Sergio Moro e, portanto, seria necessário ouvi-lo novamente.

CC: Recentemente, a defesa anexou aos autos do processo uma decisão proferida pela 2ª Vara de Execução e Títulos do Distrito Federal, no qual a juíza Luciana Correa Tôrres de Oliveira determina a penhora do tríplex no Guarujá para cobrir dívidas da OAS. Por que esse documento é relevante para o caso?
CZM: Esse é um dos numerosos elementos que provam que este imóvel não pertence e nunca pertenceu a Lula. O ex-presidente não tem a propriedade perante o Cartório de Registro de Imóveis, não recebeu as chaves do apartamento, nem sequer passou uma noite por lá. Quem exerceu efetivamente os atributos da propriedade foi a OAS, tanto é que a empreiteira vinculou o apartamento como garantia em uma operação financeira feita com a Caixa Econômica Federal. Essa decisão de Brasília comprova que o tríplex continua a responder por dívidas da empreiteira. Esses fatos demonstram de forma inequívoca que Lula jamais teve a propriedade ou a posse desse imóvel.

CC: Por que a defesa alega que não ficou comprovada a existência de um ato de ofício para condenar Lula por corrupção?
CZM: O crime de corrupção passiva está configurado quando um agente público solicita ou recebe uma vantagem indevida para praticar ou deixar de praticar atos relacionados à sua função pública. De um lado, deve haver a comprovação de solicitação ou do recebimento de uma vantagem indevida. De outro, a comprovação de que o funcionário publico beneficiou, de alguma forma, o corruptor. Na sentença proferida pelo juiz Sergio Moro, ele diz que os atos praticados pelo ex-presidente são indeterminados. Só que isso não existe no ordenamento jurídico, ninguém pode ser condenado por fatos indeterminados.

CC: Logo após Moro condenar Lula a 9 anos e meio de prisão, o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, presidente do TRF da 4ª Região, classificou em entrevista a sentença da primeira instância como “irretocável” e “histórica”.
CZM: Sim, e o desembargador Thompson Flores julgou ao menos 12 recursos apresentados pela defesa do ex-presidente contra decisões da 8ª Turma. Regimentalmente, cabe ao presidente do tribunal analisar esse tipo de recurso. Essas declarações são inapropriadas. Ele próprio reconheceu que não leu os autos do processo antes de emitir essa opinião. Além disso, ele representa institucionalmente o TRF da 4ª Região, não caberia a ele antecipar juízos sobre temas que serão analisados pelo tribunal.

CC: Nesse caso, ele não deveria se declarar suspeito de julgar os recursos apresentados pela defesa de Lula?
CZM: Acredito que sim. E a manifestação de Thompson Flores compromete a isenção para analisar novos recursos desse caso. Da mesma forma, esse juízo antecipado colocou um desafio adicional aos desembargadores da 8ª Turma, que têm o dever de assegurar um julgamento justo e imparcial ao ex-presidente.

CC: O desembargador Thompson Flores bateu à porta do general Sergio Etchegoyen, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, para relatar supostas ameaças contra juízes da Corte.
CZM: As colocações levadas a público deveriam estar acompanhadas da indicação de autoria, da origem dessas ameaças. Não é bom para o julgamento lançar suspeitas difusas. Ademais, não se deve ampliar o ambiente de hostilidade, seja a quem for, porque isso é incompatível com a serenidade que se exige dos julgadores, principalmente na análise de um recurso como esse, fortemente atrelado ao Estado de Direito no País.

CC: Em que medida o componente eleitoral pode influenciar no resultado do julgamento do ex-presidente?
CZM: Sempre dissemos que essa ação nasceu com um componente político inequívoco. Ela jamais deveria existir. Foi apresentada com base em hipóteses e especulações criadas pelos procuradores do Ministério Público Federal, sem indício algum de materialidade. Ao longo de toda a tramitação em primeiro grau, ficaram claras as grosseiras violações a garantias fundamentais do ex-presidente Lula e ao direito de defesa. Essa ação resultou em uma sentença ilegítima, repleta de nulidades.

CC: Na segunda instância, por sua vez, o caso tramitou com impressionante celeridade.
CZM: Sim, é verdade. Houve uma antecipação de juízo por parte  do presidente do TRF da 4ª Região, mesmo sem ele ter lido os autos, e uma tramitação em tempo recorde, a demonstrar que o processo tem sido tratado de forma excepcional, o que não é compatível com a garantia da isonomia, prevista na Constituição.

CC: O senhor ainda tem esperança de um julgamento justo?
CZM: Olha, temos que ter essa esperança. Realmente, o cenário coloca um desafio excepcional, mas não posso emitir um juízo crítico sobre o que ainda não ocorreu. Os desembargadores da 8ª Turma são juízes experientes, com excelente nível técnico e tem condições de realizar um julgamento justo e independente.