Acesso a leitos de UTI tem que ser por fila única, defende Humberto Costa. Por Pedro Stropasolas

Atualizado em 9 de maio de 2020 às 14:34

PUBLICADO NO BRASIL DE FATO

POR PEDRO STROPASOLAS

O Brasil se prepara para enfrentar a pior fase da pandemia que já matou mais de 270 mil pessoas no planeta. Nesta semana, o país bateu o recorde de mortes por covid-19 em um só dia, e caminha para superar os Estados Unidos como o novo foco de mortes pela doença.

A situação vem levando autoridades públicas de algumas regiões do país a recorrerem ao chamado lockdown –  um confinamento mais rígido da população.

As condições do Sistema Único de Saúde (SUS) também preocupam, especialmente em relação à taxa de ocupação dos leitos hospitalares de Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) – que estão próximos ao limite máximo da capacidade de atendimento.

Nos cinco estados que concentram o maior número de casos de coronavírus no Brasil (Amazonas, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo), mais de 80% dos leitos de UTI já estão ocupados.

A esse cenário se somam os problemas do governo federal para garantir renda à população mais pobre. As soluções para reduzir as desigualdades no acesso à saúde parecem não ser uma prioridade para o governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

Para o senador Humberto Costa (PT-PE),  já existem mecanismos na legislação brasileira que permitem a requisição de leitos hospitalares do sistema privado para o público. Uma das medidas que deveriam ser priorizadas, segundo o senador, é a criação de uma fila única para o acesso de pacientes às UTIs de hospitais públicos ou privados – proposta que o ministro Nelson Teich prometeu discutir com “privados”, e apenas quando a situação do SUS chegar “no limite”.

Costa, que é líder do Partido do Trabalhadores (PT) no Senado Federal, apresentou junto aos senadores Rogério Carvalho (PT-SE), Jaques Wagner (PT-BA), Paulo Rocha (PT-PA) e Zenaide Maia (Pros-RN) o Projeto de Lei 2.308/2020, que prevê a utilização compulsória de leitos privados disponíveis pelas unidades públicas.

“Nós queremos aprovar [esse projeto] rapidamente, para que não continuem acontecendo as situações que estamos vendo hoje, de lugares em que a rede pública está superlotada e ainda há leitos desocupados no setor privado. Tudo tem que fazer parte de uma fila única”, defende o senador.

Em todo o Brasil, propostas similares vêm sendo defendidas por profissionais da saúde em nível estadual e municipal.

Médico pós-graduado em medicina geral comunitária, ele ressalta a referência do Consórcio Nordeste no processo de enfrentamento à pandemia. Foi a partir da articulação entre os governadores, na opinião dele,  que foi possível restringir os transportes intermunicipais e possibilitar a compra de respiradores e equipamentos de proteção individual (EPIs).

O senador aponta, por exemplo, as orientações e dados reunidos pelo Comitê Científico do consórcio, como um fator essencial para não permitir a flexibilização do isolamento social em estados como Sergipe – que vem sofrendo pressões do setor empresarial para a abertura econômica.

“O Maranhão passa por dificuldades, o Ceará está com muitas dificuldades, Pernambuco está também com extremas dificuldades. Mas esse quadro seria pior se essa articulação não tivesse acontecido”, explica.

Na conversa, o senador discute também como o governo federal e empresários vêm se aproveitando da pandemia para tentar restringir ainda mais direitos dos trabalhadores.

Para ele, é preciso que a oposição se fortaleça – junto a movimentos e centrais sindicais – para pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) a eliminar inconstitucionalidades que existem em projetos de lei centrados na austeridade fiscal, e não em medidas emergenciais de enfrentamento à pandemia, como as PECs 186, 187 e 188 e a Medida Provisória (MP) 905 – que institui a carteira Verde e Amarela.

O médico define ainda que a saída de Jair Bolsonaro – que já possui 31 pedidos de impeachment na Câmara dos Deputados – é uma necessidade emergencial para conter o avanço das mortes no país.

“A postura que ele tem adotado pode conduzir o Brasil a viver uma tragédia social e uma tragédia sanitária, pela qual ele certamente terá que ser responsabilizado. Porém, o que fazer com as pessoas que vão morrer? Com as que já morreram? Ele já demonstrou total descaso e descompromisso com esse aspecto”, argumenta.

Quanto à hegemonia das políticas neoliberais em um cenário pós-pandemia, Costa acredita que elas não serão superadas pela mudança de consciência, e sim pela imposição da própria realidade.

“Os rentistas, e aqueles que hegemonizam a sociedade capitalista mundial, vão estar tomados de um sentimento altruísta, e se convencer de que a igualdade é importante? Eu creio que não. Mas a força dos fatos vai fazer com que alguns dos dogmas do neoliberalismo tenham que ser efetivamente revistos”, argumenta.