Adolescente agredido por PMs em escola de SP deixa o bairro após ser parado por viatura e sofrer ameaças. Por Davi Nogueira

Atualizado em 7 de março de 2020 às 11:42

O Conselho Tutelar do Rio Pequeno entregou à Defensoria Pública de Pinheiros um documento que denuncia “fatos de violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes por parte de policiais militares” na Escola Estadual Prof. Emygdio de Barros, situada no bairro do Butantã, em São Paulo.

No dia 18 de fevereiro, PMs, chamados pela diretoria, entraram na escola e agrediram dois alunos do colégio com socos e chutes, além de apontarem a arma para os estudantes que registraram a ação.

O relatório informa que, no mesmo dia, por volta das 21 horas, um adolescente relatou o ocorrido para um dos conselheiros tutelares. Disse que os militares haviam entrado na escola “xingando, ameaçando e agredindo alunos”.

Um dos jovens agredidos, Guilherme, contou ao conselheiro Gledson Silva que, após denunciar a agressão, foi parado na rua por uma viatura policial e ameaçado. Segundo Gledson, o adolescente se mudou do bairro onde morava.

O relatório do Conselho Tutelar do Rio Pequeno

Conforme o relato dos estudantes, o caso teria começado quando o jovem David, de 17 anos, teria questionado a direção do colégio após ver que seu nome não estava na lista de matrículas da escola. Com o desentendimento, os PMs teriam sido chamados pela diretora para retirar o estudante do local.

No dia seguinte ao episódio, o Conselho entrou em contato com a família de um dos alunos agredidos, o adolescente Guilherme Rodrigues da Silva, também de 17 anos, para “ouvi-lo e encaminhá-lo para algum serviço de atendimento”.

O aluno afirmou que estava no banheiro no dia do ocorrido e, ao sair, percebeu que havia policiais dentro da escola tentando expulsar David. Guilherme teria ouvido o próprio David dizer aos PMs que não precisava encostar a mão, e que iria sair do estabelecimento.

“Neste momento, um dos policiais envolvidos empurrou o jovem e deu um soco em sua boca”, informa o documento do Conselho Tutelar. “Foi quando o jovem correu para outra sala de aula, na qual os policiais entraram”.

Guilherme relata que confrontou os militares e disse que não havia necessidade de agressão física. Foi quando um dos PMs o empurrou e jogou spray de pimenta no seu rosto. Quando David pegou seu celular para filmar, outro policial foi para cima dele, o agrediu e jogou o aparelho no chão, pisando até danificá-lo completamente.

Logo depois, os adolescentes David e Guilherme teriam sido levados para a área externa da escola e revistados. “Guilherme relatou que um dos policiais falou para David que ele seria um bom cadáver, ou que iriam forjar algo para que ele fosse preso, e um dos militares disse: ‘vagabundo igual a você, a gente bate todo dia'”.

A mãe de Guilherme apareceu no portão da escola e viu a humilhação à qual seu filho estava sendo submetido. De acordo com o relatório, “ao perceberem a presença da mãe, um dos policiais disse: ‘A Sra. sabe o que seu filho fez?’. Não permitiram que ela falasse com seu filho e muito menos a conduziram para a delegacia”.

O Conselho Tutelar ouviu o adolescente e constatou que ele estava abalado emocionalmente e psicologicamente. “Não tenho mais vontade de comer, durmo muito mal. Estou me sentindo um criminoso”, disse Guilherme.

Perguntado sobre a relação com a direção escolar, o jovem confirmou que “a Sra. Filomena ameaça frequentemente chamar a polícia” para os estudantes.

Ainda na delegacia, David percebeu que seu celular danificado havia sumido. Os PMs foram questionados, um deles devolveu o telefone sem falar nada. “Por que os policiais não entregaram o aparelho ao delegado de plantão?”, questiona o relatório.

As famílias dos adolescentes decidiram transferi-los para outra unidade escolar, e o Conselho entrou em contato com a UBS (Unidade Básica de Saúde) Dr. José Marcílio Malta Cardoso para que fossem realizados atendimentos psicossociais. Também foi encaminhada uma requisição para que a SAS Butantã acompanhe.

Os membros do Conselho Tutelar do Rio Pequeno se dizem “preocupados, pois foi citado no boletim de ocorrência o endereço do adolescente. Pedimos por segurança a extinção desta informação, podendo ser colocado o endereço deste conselho tutelar ou outro órgão de proteção à criança e ao adolescente”.

O conselho também pede, além da punição dos policiais militares, a transferência de toda a equipe da direção da Escola Estadual Prof. Emygdio de Barros, devido à prática comum de ameaçar chamar as autoridades para colocar medo em seus alunos.

O documento é assinado por Jaqueline Aparecida, Gledson Silva e Marcos Matos.

O nome do aluno teria sido retirado da lista de presença por ele ter faltado nas primeiras semanas de aula. Em casos assim, a escola pode cancelar a matrícula do estudante. Mas, para o conselheiro Gledson, faltou habilidade da direção e estrutura administrativa para lidar com situações de conflito.

“Escola não é lugar de política, é lugar de educadores, inclusive aqueles que são preparados para trabalhar com situações difíceis. Na escola, não havia esse profissional, nem nenhum outro para conduzir o caso com outros critérios que não sejam os de polícia”, disse Gledson em entrevista ao DCM.