Advogados acreditam que STF dá sinais de que enfrentará Lava Jato para restabelecer Constituição. Por Paulo Henrique Arantes

Atualizado em 30 de agosto de 2019 às 12:42
Marco Aurélio de Carvalho

Como o plenário do Supremo Tribunal votará o caso Bendine? A se confirmarem as expectativas dos chamados garantistas, a decisão da Segundo Turma da corte será confirmada, anulando-se a condenação imposta ao ex-presidente da Petrobrás, Aldemir Bendine, pelo então juiz Sérgio Moro, na Justiça Federal de Curitiba.

No entendimento dos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármem Lúcia, cerceou-se a defesa do réu ao impedi-la de analisar e se manifestar posteriormente ao testemunho de delatores. O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, ficou isolado na votação. Celso de Mello estava ausente.

“A expectativa é positiva. O voto da ministra Cármem Lúcia foi uma surpresa. Se ela não retroceder, e não há motivos para isso, a decisão será confirmada no mérito”, acredita o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas e um dos fundadores da Associação de Juristas pela Democracia.

“Em todo o mundo a defesa fala depois da acusação. Há um prejuízo indiscutível quando se inverte essa ordem. E isso me parece muito óbvio”, salienta Carvalho.

O caso tem alto potencial de repercussão, principalmente porque na ponta está Lula.

Dois dias depois da votação do caso Bendine, Fachin determinou que o processo que trata de repasses da Obdebrecht ao Instituto Lula, prestes a ir a julgamento na 13ª Vara Federal de Curitiba, retornasse à fase de alegações finais. Em seu despacho, o ministro ordenou o cumprimento de um direito básico antes sonegado ao ex-presidente: que todo o material apresentado pelos delatores da Odebrecht fosse disponibilizado à defesa.

O Grupo Prerrogativas, coordenado por Marco Aurélio Carvalho, promoveu um evento de alto caráter simbólico no último dia 25 de agosto. Num restaurante da capital paulista, reuniram-se mais de 200 advogados, boa parte deles atuante na Lava Jato, em homenagem do professor Juarez Tavares. O jantar foi noticiado pela imprensa. Ali estavam medalhões da advocacia criminal como Alberto Zacharias Toron, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Fábio Tofic Simantob, Luiz Flávio Borges D’Urso e Luiz Fernando Pacheco.

Na prática, o grande homenageado foi Toron, advogado de Bendine. Ele, que já defendeu Aécio Neves e Dilma Rousseff, obteve a vitória na Segunda Turma do Supremo sustentando que, no processo penal, o acusado tem direito de falar por último, independentemente de onde vier a acusação, não importando se os acusadores sejam também réus na ação, caso dos delatores.

Mostra-se evidente que o Judiciário, em particular o Supremo Tribunal Federal, vive um momento de inflexão no sentido de preservar as normas constitucionais, em detrimento do punitivismo que teve na Lava Jato seu ápice. Punitivismo que se revestia de uma indisfarçável necessidade, por parte de juízes, de agradar a opinião pública.

“Se formos observar o que está acontecendo hoje, em especial no Supremo, a conclusão é que existe uma inflexão. De forma clara e objetiva, o que eu posso dizer é que existe uma compreensão do STF, principalmente por parte de alguns ministros, de que o papel do Supremo é essencialmente contramajoritário. É, enfim, de aplicar a Constituição. Se isso agrada ou não a este ou aquele setor, é outro problema”, analisa Marco Aurélio Carvalho.

“Na minha opinião, o que está havendo é uma reafirmação do papel contramajoritário do Supremo. Isso é muito importante”, insiste o advogado.

Já a extensão dessa visão constitucional aos casos que envolvem Lula são outros quinhentos. Por quê? Porque Lula é Lula.
“No caso do ex-presidente, a situação é muito delicada, porque ainda hoje ele é o principal personagem da política brasileira, um cara que, mesmo atrás das grades, numa prisão criminosa e injusta, consegue pautar o debate nacional”, diz Carvalho.

“Eu acho que o Supremo realmente está cada vez mais à vontade para aplicar a Constituição, mas no caso de Lula ainda há uma pressão enorme. O que se tem é esperança, mas não indicativos claros do que vai acontecer”.

O caso Bendine provocou a reação esperada dos procuradores da Lava Jato. Como de hábito, lançando no ar nuvens de horror. Eis um trecho da nota divulgada pela força-tarefa curitibana: “Se o entendimento (da Segunda Turma do STF) for aplicado nos demais casos da operação Lava Jato, poderá anular todas as condenações, com a consequente prescrição de vários crimes e libertação de presos”.

Diante da mensagem, digamos, aterrorizante, Marco Aurélio de Carvalho adverte: “É importante ficar claro que os procuradores da Lava Jato, de modo geral, estão querendo envolver a opinião pública numa falácia, como fizeram recentemente com a decisão de remeter processos sobre certos delitos da Justiça Comum para a Justiça Eleitoral. Eles anunciam o fim da Lava Jato como forma de pressionar todo mundo. É preciso cuidado com essa mentira”.