Advogados criticam transformação de leniência em ação de marketing da Lava Jato

Atualizado em 24 de abril de 2019 às 19:16
Foto: Divulgação

Publicado originalmente na ConJur

Para advogados, os procuradores da “lava jato” tiraram a máscara do combate à corrupção com a assinatura do acordo de leniência da Rodonorte. Parte do acordo prevê que a empresa, concessionária de estradas no Paraná, reduza o preço dos pedágios que administra em 30%. Em outra parte, a empresa se compromete a dizer que o desconto foi conseguido graças ao trabalho da operação “lava jato” em prol do povo paranaense.

No entendimento de diversos advogados consultados pela ConJur, a cláusula deixou claro que a “lava jato” está mais ligada aos planos políticos de seus protagonistas do que ao combate ao dito “crime de colarinho branco”.

Leia os comentários:

Lenio Streck, constitucionalista
Essa cláusula apenas mostra que a operação “lava jato” se transformou em um filme trash, em que se pode ver o zíper da fantasia do mostro. Ou seja, os protagonistas já não se preocupam em esconder o zíper. A “lava jato” virou um enunciado performático. Simples assim.

Fábio Tofic, advogado e presidente do IDDD
A “lava jato” diria que isto é solicitação de vantagem indevida e mandaria todo mundo pra cadeia

Fernando Augusto Fernandes, advogado e doutor em Ciência Política
A cláusula representa um verdadeiro ato de improbidade e possível crime prevaricação, tendo em vista que o valor visa “satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. Em tese, pode configurar, inclusive, “vantagem indevida” dos agentes. É preciso enfrentar se não pode está a se criar um tipo de caixa 3 agora em favor da imagem da força tarefa, uma espécie de ocultação dos valores com aparência de legalidade. Situações como essa, e do acordo da Petrobras que se encontra suspenso pelo STF, demonstra que é necessário urgente transferência quanto ao destino de todos os valores provenientes dos bens de delatores e de empresas lenientes. A falta de controle dos atos relativos ao destino dos bens e mesmo a liberação destes sem a devida indenização da Petrobras, além de cobranças duplicada (bis in idem) de valores de vários réus e empresas que, muitas vezes, ultrapassam o valor do dano, merece urgente fiscalização e intervenção. Há evidente desvio de finalidade por excesso de poder.

Luís Henrique Machado, advogado
Infelizmente, o Ministério Público está inovando utilizando o slogan lava-Jato para, além de praticar supostas políticas públicas, algo que, definitivamente não é de sua competência, fazer propagandas de legitimação diante da população. Já passou do momento de repensar os limites da instituição.

Leonardo Yarochewsky, advogado e professor
Esse acordo é mais um dos grandes e tantos absurdos que vêm sendo cometidos pelos procuradores da “lava jato”. Eles agem como se fossem donos de uma empresa privada. Esquecem que exercem uma função pública e que a coisa pública, como o nome já diz, não pode pertencer a A, B ou C. Nem em nome de um suposto e imaginado combate à criminalidade, notadamente a corrupção. É preciso acabar definitivamente com a história de que, em nome do combate à corrupção, os fins justificam os meios. num Estado Democrático de Direito, essa perversa lógica não pode prevalecer. No Estado Democrático de Direito, deve prevalecer sempre, e acima de tudo, a Constituição da República. É preciso que se dê um basta na postura daqueles que se julgam paladinos da justiça e acham que estão acima da lei e de todos.

Marco Aurélio Carvalho, advogado
Não há a menor dúvida de que estamos diante da quebra de um princípio muito caro para quem trabalha com Direito Administrativo, q é o da impessoalidade. Essa matéria precisa ser examinada pelo CNMP, porque é um precedente muito grave. Acreditar que um procurador da República não conhece a legislação é desacreditar dos processos rigorosos de escolha desses agentes públicos. A conduta precisa ser apurada à luz da legislação respectiva para que não se forme um precedente ainda mais grave para a sociedade. Não tem nada de interessante numa medida como essa, nem pedagógico. O que eles querem é dar sustentação financeira a um projeto que cada vez mais tem contornos políticos.

Michel Saliba, advogado
Na média, o Ministério Público Federal tem prestado bons serviços à sociedade brasileira. É uma instituição séria e que jamais pode pautar sua atuação em marketing massivo e típico de atividades mercantis.
Se a legislação que regulamenta a atividade advocatícia veda o marketing e a forma mercantil de atuação profissional, justamente pelo munus público que o advogado exerce, mesmo no seu ministério privado, o que dizer do MPF, instituição de servidores  renumerados pelo Estado a serviço da sociedade? Sou totalmente contrário à ideia e aos termos do acordo neste particular, reiterando o meu respeito à grande maioria dos integrantes do MPF.

Leonardo Sica, advogado e ex-presidente da Aasp
Os objetivos declarados da “lava jato” sempre foram proteger o dinheiro público, garantir seu bom uso e recuperar valores desviados. Com essa ação de marketing, de duas uma: ou a força-tarefa está corrompendo os objetivos da operação ao direcionar seus proveitos para uma propaganda indevida, que fere a moralidade e a impessoalidade, ou os objetivos não são exatamente aqueles. Já disse, inclusive aqui na ConJur, que a ação dos procuradores sempre foi parte de um jogo político-institucional voltado para a ampliação dos próprios poderes. Esse desvio de um acordo de leniência para algo distante do interesse público confirma aquela impressão.

Luiz Fernando Pacheco, advogado
A iniciativa aparenta que os que os procuradores estariam beneficiando os cidadãos. Populismo barato e absolutamente ilegal. Os membros do Ministério Público não têm competência para dar destino ao numerário em questão. A vítima de eventuais casos de corrupção é a União. Os valores, portanto, devem, obrigatoriamente, ser destinados à União e cabe a esta encaminhar como, quando e onde o numerário deve ser utilizado em prol de todos os brasileiros e não só aqueles que utilizam as estradas do Paraná. Os procuradores da “lava jato”, mais uma vez superestimam seu papel, como na malfadada tentativa igualmente ilegal de criar um Fundação com recursos que não são do parquet, mas sim do Brasil. Aguardemos que o Judiciário restabeleça a ordem e dê, mais uma lição a estes senhores – em algum momento eles ao de aprender qual o seu papel.

Eduardo Carnelós, advogado
Esse acordo, mais especificamente a cláusula que prevê a obrigação imposta à empresa de fazer propaganda da “lava jato”, evidencia a total falta de respeito a princípios que devem nortear a ação de agentes públicos, como a moralidade. O fato de ser o Ministério Público Federal a agir dessa forma, justamente a pretexto de combater a corrupção e a imoralidade, dá conta dos desmandos praticados em nome desses valores. Oxalá um dia nós possamos ver o fim do uso arbitrário do poder por parte de quem tem o dever legal de zelar pela observância do direito e da decência, mas que, em vez disso, atenta contra ambos.

Marcelo Knopfelmacher, advogado
Com o devido respeito ao MPF, exigir publicidade e crédito moral pelo trabalho desempenhado fere frontalmente o princípio da impessoalidade consagrado no artigo 37 da Constituição, e que se aplica — indistintamente — à toda Administração Pública e a qualquer dos Poderes, inclusive ao Ministério Público. Trata-se, portanto, de cláusula manifestamente inconstitucional.

André Iera, advogado
A Lei Anticorrupção prevê a publicação extraordinária da penalidade – técnica de “name and shame”. Mas não é disso que se trata. Esse é o primeiro acordo de leniência com uma cláusula “narcisista”.

Octávio Orzari, advogado
Por mais louvável que seja o ato estatal, deve-se evitar que a publicidade, regra intrínseca ao ato estatal de ser acessível e fiscalizável pelo cidadão, possa ser interpretada como propaganda, que é ato de persuasão. É obrigação do Estado ser eficiente em todos os seus atos, sem precisar de propaganda

Felipe Costa, advogado (comentário na notícia da ConJur)
Leio na ConJur: “STJ mantém condenação de ex-prefeito que pintou prédios com as cores do partido“.

Segundo a reportagem, “eleito em 2016, ele perdeu o cargo em decorrência das penas impostas em ação de improbidade administrativa, por ter pintado três prédios públicos com as cores de seu partido”. Para o Judiciário, houve afronta ao princípio constitucional da impessoalidade, pois, ao pintar três prédio de azul (cor do partido), de um total de vintes prédios na cidade, o ex-prefeito fez promoção pessoal, o que é vedado.

Neste caso da “lava-jato”, temos algo extremamente semelhante, porém mais grave, porque a afronta ao princípio da impessoalidade partiu dos arautos da moralidade (MPF) e foi chancelada pelo Poder Judiciário, o que se acha sempre acima de tudo e de todos.

Não haverá ação de improbidade, com perda do cargo, suspensão dos direitos políticos, multa e proibição de contratar com o poder público?

E o que fazer com o artigo 37, parágrafo 1º da Constituição (“A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”)?

Hipócritas! Vaidosos!