“Aécio é um coronel midiático”: o pesquisador de comunicação Luiz Stevanim fala ao DCM

Atualizado em 5 de dezembro de 2014 às 9:23

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Luiz Felipe Ferreira Stevanim é jornalista e pesquisador do Grupo de Pesquisa em Políticas e Economia Política da Informação e Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PEIC/UFRJ). Ele publicou um texto no site GGN denunciando que o senador Aécio Neves é proprietário de três rádios, uma emissora de TV em Minas Gerais e um jornal. Suas posses vão contra a determinação da Constituição Federal que proíbe parlamentares de controlarem empresas que dependem de concessão pública.

A atitude de Aécio foi definida por Stevanim como “coronelismo eletrônico”.

Para aprofundar o assunto, o DCM falou com ele sobre o uso político da mídia nestas eleições, quais outros políticos agem como Aécio Neves e a necessidade de democratização dos meios de comunicação.

Aécio tem veículos de comunicação e também monitora o que é publicado na mídia, sobretudo em Minas Gerais. Ele pode ser definido como um político midiático?

Aécio Neves é um político um pouco diferente de outros midiáticos, como Celso Russomanno, e seu caso é mais grave porque ele e sua família possuem ligação com outorgas de rádio e televisão, contrariando o artigo 54 da Constituição Federal. Segundo o texto constitucional, deputados e senadores não podem firmar ou manter contrato com empresa concessionária de serviço público e nem mesmo ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que tenha contrato com pessoa jurídica de direito público. Mas Aécio é apenas parte de uma rede de relações entre os políticos e os meios de comunicação que chamamos de “coronelismo eletrônico”. Essa prática é comum e se estende a nomes como Tasso Jereissati, Albano Franco, ACM Neto, Lobão Filho, Sarney e tantos outros.

Você é doutorando pela UFRJ. O caso do candidato tucano ajudou em sua pesquisa?

Ajudou, sim. Eu fiz o meu mestrado sobre o debate em torno do tema da TV Pública que levou à criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), entre 2007 e 2008. Neste estudo, me deparei com o fato de que, por causa de algumas brechas legais, as concessões de TV educativa são muito utilizadas por políticos. Em 2011, constatei que em um universo de 192 TVs educativas espalhadas pelo país, 51 delas tinham ligações com políticos, familiares e seus aliados. Entre elas, 30 TVs estão em Minas Gerais, o estado com o maior número neste nicho no Brasil. As televisões educativas são regidas por um decreto da época do regime militar, o de número 236 criado em 1967, que determina que elas não podem ter finalidade comercial e estão vinculados ao Estado , às universidades ou às fundações privadas.

Meu estudo atual, no doutorado, é fruto de um esforço para compreender a luta pela democratização da comunicação no Brasil. Busco o que tem sido feito para defender o direito à comunicação, que se vê ameaçado por práticas como esta que descrevo.

Quais delas são de Aécio Neves em Minas?

Uma das mineiras é a televisão ligada à família Neves em São João Del Rei, chamada de TV Campos de Minas e mantida pela Fundação Cultural Campos de Minas. A concessão para o canal é de 2002, quando o ministro das Comunicações era Pimenta da Veiga (PSDB), o candidato derrotado ao governo do estado. O presidente da Fundação Cultural Campos das Vertentes é José Geraldo D’Ângelo, aliado de Aécio que assumiu a presidência do Instituto Cultural Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG Cultural) em 2003, quando o neto de Tancredo era governador.

Outros candidatos na história exerceram essa influência midiática de Aécio, além de ACM Neto, Sarney e Collor?

Sim. O uso da imprensa para expandir o poder político é uma prática comum desde o governo de Getúlio Vargas, que criou o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e desenvolveu uma série de políticas de comunicação acentuando o poder autoritário do Estado sem ferir os interesses do mercado privado. É neste período que nasceu um modelo de comunicação que predomina ainda hoje, com maioria de mídia comercial e um espaço marginal para a comunicação pública e alternativa.

Em um levantamento de documentos oficiais no Arquivo Nacional que fizemos para montar a exposição “Coronelismo eletrônico” na UFRJ, encontramos uma carta de 1950 do presidente da rádio Mayrink Veiga colocando a emissora totalmente à disposição do então candidato a presidência da República pelo PSD, Cristiano Machado. Na época, este era o partido mais favorecido pelas políticas de comunicação e pela distribuição de concessões.

Essa prática se manteve ao longo do tempo, restringindo o direito da população a utilizar o espectro eletromagnético, pelo qual são transmitidos os sinais de rádio e TV, como um bem público. Outro caso emblemático foi quando o ministro das Comunicações do governo Sarney, Antonio Carlos Magalhães, distribuiu 527 concessões de rádio e TV a políticos aliados para garantir a votação do mandato de cinco anos para Sarney na Assembleia Constituinte. Esse fato foi denunciado na época pela

Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), mas infelizmente a prática não se encerrou ali. Ao contrário, expandiu-se.

Você diz que Aécio descumpre o artigo 54 da Constituição. Ele é blindado por isso?

Acredito que sim. Ao contrário de um mito construído pela imprensa de que esta seria defensora imparcial dos interesses da sociedade, a mídia também possui o seu quadro de interesses, como empresa comercial que precisa se sustentar financeiramente e que exerce grande influência política. O mito da imparcialidade é herança de uma tradição de jornalismo que se compreende como “cães de guarda” da sociedade, acima do bem e do mal, que é ensinada em muitas faculdades de jornalismo.

Alguns veículos de comunicação defenderam um projeto de direita que saiu do armário recentemente. É o caso da Veja, que construiu uma cobertura de ataque à candidata Dilma e de defesa de Aécio. Essa eleição foi bastante emblemática na área da comunicação. Diante da matéria de capa da Veja com uma suposta declaração que apontava a ligação de Lula e Dilma com o escândalo da Petrobrás, a presidenta reagiu em seu último programa, atacando a revista e expressando a necessidade de recorrer à justiça para reivindicar o direito de resposta, levando depois ao debate sobre a regulação econômica da mídia. Infelizmente, essa pauta da comunicação apareceu apenas em um momento eleitoral e há pouca probabilidade dela levá-la adiante, porque iria contrariar interesses de aliados e da mídia hegemônica. Não há coragem política quanto a essa questão.

Como, ainda exercendo o “coronelismo midiático”, Aécio conseguiu perder as eleições?

Talvez esse fato seja uma evidência de que não é correta aquela tese que sustenta a passividade da sociedade diante da manipulação da mídia. Os efeitos da cobertura da imprensa sobre a opinião pública não agem de modo determinista, definindo as intenções de voto de modo mecânico. A formação da opinião é ambivalente e possui diversos espaços de influência, como a família, a vizinhança, as relações de trabalho, a religião e a própria mídia.

Existe também um componente utilitarista no voto, do eleitor principalmente de classe baixa do Norte e Nordeste e da zona rural ao perceber melhorias em sua vida nos últimos três governos, entre 2003 e 2014. Ele pensa: Minha vida melhorou, hoje meu filho está na faculdade com o Prouni e eu consegui comprar um carro, para que mudar? Dilma explorou bastante esse viés em sua campanha eleitoral.

O “coronelismo eletrônico” é um sistema de poder que se dá principalmente em nível regional ou local. Mas, mesmo nesta esfera, o poder da mídia pode ser relativizado. O caso do Maranhão nessas eleições é bastante ilustrativo, tanto a cobertura da televisão ligada à família Sarney, aTV Mirante afiliada da Globo, quanto do canal do candidato derrotado, o senador Edson Lobão Filho, o Sistema Difusora afiliado ao SBT. Os dois fizeram uma cobertura extremamente desfavorável ao candidato de oposição, Flávio Dino do PCdoB, e isso não impediu que o candidato comunista vencesse no primeiro turno, derrotando “Edinho” Lobão com 63,52% dos votos.

 

O pesquisador Stevanim
O pesquisador Stevanim

 

A democratização dos meios de comunicação deve afastar políticos da imprensa? 

Essa deve ser uma pauta central na luta pela democratização da mídia e pela garantia dos direitos à informação, à comunicação e à cultura. A relação de políticos com meios de comunicação tira a autonomia e prejudica direitos tais como o voto consciente e livre e o direito de ser eleito, porque cria uma disputa desigual entre um candidato que é dono da rádio ou da TV com vantagem na disputa. Também lesa a liberdade de informação e de expressão, assim como a diversidade de pensamento necessária na democracia.

Na minha visão, existe uma urgência histórica: A aprovação de uma lei que regulamente o texto da Constituição que se refere à comunicação, principalmente os cinco artigos do capítulo da Comunicação Social, de 220 até 224. Já se passaram 26 anos da promulgação da Constituição e até hoje não avançamos nessa questão. A mídia precisa ser regulada por uma lei democrática e que garanta a liberdade de expressão, a diversidade e a pluralidade de vozes na sociedade como acontece em vários países do mundo. Mas a questão vai além do plano legal. Mesmo que o STF julgue a ADPF 246 e reconheça que os políticos radiodifusores infringem o artigo 54 da Constituição, o “coronelismo eletrônico” e outras influências políticas da mídia não vão deixar de existir da noite para o dia.

É preciso amadurecer a escolha e a participação política da sociedade, porque muitos julgam que podem extrair benefícios para si mesmos de relações derivadas do clientelismo e do coronelismo, naquela lógica de “eu critico que todos os políticos são corruptos, mas elogio o deputado que consegue uma cirurgia para mim furando a fila do SUS”. Os espaços contra hegemônicos e democráticos de comunicação, sejam rádios comunitárias ou portais alternativos de notícia, cumprem um papel essencial para mudar essa cultura política.

Andrea Neves da Cunha mascara as atividades de Aécio Neves? 

As relações familiares de Aécio apontam para um aspecto central na política brasileira, que ajuda a afirmar uma tradição patrimonialista em que os interesses privados são favorecidos em prejuízo da cidadania e do interesse público. Não é o único caso na nossa política. Ao contrário disso, a tradição familiar é uma característica da política brasileira desde o Antonio Carlos Magalhães Neto até o filho do ex-governador do Rio, o Marco Antonio Cabral.

Infelizmente, esse favorecimento que pode gerar o nepotismo, o filhotismo e outros fenômenos nocivos à democracia não é reconhecido como um problema por grande parte da sociedade. Até mesmo em suas campanhas na TV, os candidatos costumam aparecer ao lado de seus filhos e de sua mulher, como se pelo fato de ser um bom pai ele fosse ser um bom governante.

Como diria o Guimarães Rosa, “quase todo mais grave criminoso feroz sempre é muito bom marido, bom filho, bom pai e é bom amigo-de-seus-amigos”.