‘Entrevista com Escritores Mortos’ 16: Agatha Christie

Atualizado em 3 de julho de 2015 às 18:40
“Na verdade, deve-se suspeitar de todo mundo até o último minuto.”

O teólogo e escritor Ronald Knox escreveu uma lista de regras do romance policial. Eram várias, e em geral consistentes. Mas Agatha Christie provou que, ao quebrá-las (contato que houvesse sensatez e verossimilhança), uma escritora de mistério poderia se elevar ainda mais em sua esfera literária. Consagrada como uma brilhante arquiquebradora de regras, Christie enganou seus leitores de modo audacioso em muitos de seus romances mais famosos. Por isso, a escolhemos para ser a estrela de nossa nova Conversas com Escritores Mortos.

Mrs. Christie, o que a levou a escrever romances policiais?

Dizem que todo mundo ama o amor – transporte esse ditado aos assassinatos e terá uma verdade infalível. Ninguém deixa de se interessar por um assassinato.

É curioso pensar, Mrs. Christie, que dois de seus principais detetives (Miss Marple e Hercule Poirot) tem certa idade. Isso não os prejudica na hora de perseguir suspeitos ou qualquer coisa do tipo?

Miss Marple e Hercule Poirot jamais correm atrás de suspeitos. Para investigar um mistério não é preciso resignar-se a gelar os pés na lama, a tremer de frio enquanto se queima por dentro – a prudência e o autocontrole são muito mais úteis do que a impulsividade e a energia. Ao percorrer as ruas desgovernadamente atrás de criminosos em potencial, você pode derrubar uma vendedora, pobre mulher, e espalhar as maçãs de seus cestinhos…

Como se envestigar, então?

Sente-se em uma poltrona confortável, tome um chocolate quente e permita que os eventos sigam seu curso – e exercite suas pequenas células cinzentas, é claro.

Alguma dica em relação a como identificar um assassino?

Se é que existe um denominador comum, um sinal, um indício que o ajude a reconhecer um assassino no meio de pessoas aparentemente normais e amáveis, me sinto inclinada a dizer que é a vaidade. Nunca conheci um assassino que não fosse vaidoso. Nove entre dez vezes, é a vaidade que os leva a fazer o estrago. Podem até sentir medo de serem pegos, mas não conseguem deixar de se exibir e de se gabar e geralmente tem certeza de que foram espertos demais para serem descobertos – e eles querem falar. Cometer um assassinato deixa o autor do crime em uma situação bastante solitária. Você quer contar a alguém tudo o que aconteceu… E nunca pode. E isso faz com que você queira contar ainda mais. Portanto, se você não pode falar como fez isso, pelo menos pode falar do assassinato em si… Discuti-lo, criar teorias… Analisá-lo.

Mais alguma dica?

Para descobrir o assassino em algum dos meus livros, faça uso da eliminação. Por exemplo, é impossível, realmente impossível, que um honrado, tolo e arrogante inglês esfaqueie um inimigo 12 vezes. Duas vezes, no máximo três – nunca doze. É importante se lembrar de que nem mesmo os narradores, os cadáveres e as crianças estão livres de suspeita.

A senhora aprecia a arte da fofoca?

Mexericos maliciosos são inoportunos e indelicados, mas em geral verdadeiros.

Para finalizar, Mrs. Christie, a senhora acha que há algum padrão de comportamento entre os seres humanos?

A verdade é que todo mundo é muito parecido. Muitas pessoas (a maior parte delas) não me parecem ser nem boas, nem más, mas apenas bastante tolas. Portanto, devemos agir com elas com base em suas personalidades.

Como assim?

Quando pensamos que, em cada dez pessoas que encontramos, pelo menos nove poderiam ser induzidas a agir da maneira que quisermos apenas pela aplicação do estímulo correto! Existem os homens arrogantes – grite mais alto do que eles e eles obedecerão. Há os homens contraditórios – intimide-os na direção oposta àquela que você quer que eles sigam. E há os impressionáveis, que viram um automóvel porque ouviram uma buzina, o carteiro porque ouviram um barulho na caixa e assim por diante – ouça-os, mas não os leve a sério.

Algo a acrescentar?

Em um assassinato, o que importa não é o culpado – e sim o inocente. Porque o assassinato não afeta apenas a vítima e o assassino, afeta também os inocentes.

Hmmm…

Pensemos no caso Bravo, há cerca de cem anos. Livros ainda são escritos sobre ele. É um caso perfeito. Todos eram suspeitos: a mulher, a sra. Cox, o dr. Gully, até mesmo o próprio Charles Bravo poderia ter tomado veneno, apesar do veredicto do juiz. Várias teorias são plausíveis, mas o fato é que agora ninguém chegará à verdade. O que se sabe é que Florence Bravo foi abandonada pela família e morreu de bebedeira; a sra. Cox, condenada ao ostracismo, foi obrigada a viver até a morte sob a suspeita de ser uma assassina aos olhos dos que a cercavam; e o dr. Gully foi arruinado social e profissionalmente… Alguém era culpado e escapou à condenação, é claro – mas os outros eram inocentes e acabaram condenados.