A agenda racista religiosa que move a vereadora fundamentalista que denunciou “a maldição de Iemanjá”. Por Cidinha da Silva

Atualizado em 6 de fevereiro de 2018 às 19:48
A vereadora Michele Collins

A praia de Boa Viagem, no Recife, foi palco de um ato de racismo religioso que precisa ser coibido, para que não se alastre. A missionária e vereadora, Michele Collins, convidou seus fieis a “quebrar a maldição de Iemanjá contra a nossa terra”, entenda-se, o Recife e o Brasil, pelo que explicou na convocatória feita em rede social.

Quem é a personagem? Trata-se de uma esposa de político, que acredita que a mulher deve ser submissa ao homem para equilibrar o casamento. Defende esta ideia em vídeo. É contrária à adoção de nome social por travestis e transexuais. Apoia projeto de lei que quer proibir livros didáticos que tenham no conteúdo as questões de identidade de gênero e diversidade sexual. Não é propriamente contrária à união entre iguais, mas não quer leis para protegê-la. Acha impositivo.

Prontamente, uma organização religiosa de matriz africana, o Terreiro Axé Talabi, emitiu nota de repúdio ao ato, que acabou forçando uma retração da assessoria de imprensa da vereadora, que se desculpou, apagou a postagem e assegurou que “em momento algum professou o ódio religioso”. Ora, racismo é crime, deve ser investigado e punido. Não é possível apagá-lo com um pedido de desculpas ou via eliminação da postagem.

Cabe perguntar como a vereadora concluiu que Iemanjá amaldiçoou a terra brasileira. Isso, na cultura popular se chama “mexer com quem está quieto”, com intuito visível de promover o ódio e o racismo religioso, endereçado à origem geo-histórica desta Orixá, o continente africano, e seus principais adeptos hoje, negros e afro-descendentes. Ao subordiná-los a essa maldição inventada, Collins cria campo fértil para que os paladinos da fé professada por ela  “possa salvá-los em nome de Jesus”.

Não é de agora a perseguição aos terreiros de candomblé e umbanda e suas manifestações públicas pelos poderes instituídos, a polícia, as prefeituras e câmaras municipais, ao longo do século XX. Neste século XXI, verifica-se um acossamento marcado também por outros sujeitos, tais como setores das igrejas pentecostais, suas lideranças, pastores e praticantes; pela Bancada da Bíblia no Congresso, câmaras e assembléias legislativas; bem como pelo crime organizado e suas lideranças convertidas a essas igrejas.

São numerosos os casos de ataques às pessoas que professam fé nas religiões de matriz africana e a seus templos, inclusive em momentos litúrgicos. É frequente a destruição de territórios e de patrimônio material e imaterial de expressão afro-religiosa, cuja existência deveria ser garantida pelo estado laico e pela Constituição.

Na contramão do respeito à experiência cidadã das casas religiosas de matriz africana, o estado brasileiro tem sido conivente com as práticas persecutórias que as destroem. Assim,  presenciamos todos os dias, o apedrejamento de praticantes e de casas de axé;  ameaças, espancamento e tortura a zeladores desses espaços; incêndios e outros tipos de destruição desses locais de culto e devoção.

A ação da vereadora Collins integra um conjunto de ações destruidoras, de cunho racista,  dirigidas às religiões de matriz africana e seus protagonistas. Ainda que a democracia brasileira esteja em ruínas, é preciso exigir uma atitude republicana de garantia do estado laico e de livre expressão religiosa das pessoas.